Triiiimmmmm !!!!
-- Alô?
-- Por favor, a Fernanda?
Meu pai achou estranha aquela voz masculina madura, e bancou o detetive:
-- Quem quer falar?
-- É o Fulano de Tal.
Ao ouvir o nome daquele famoso jornalista, titular de antiga coluna social no jornal mais importante do país, meu pai não titubeou e a resposta veio instantânea, antes que ele batesse o telefone na cara do interlocutor, para encerrar de vez aquele trote:
-- Ah é, è? E aqui é o Mustafá das Arábias.
Minha mãe veio correndo:
-- Ela trabalha com ele!!!!!!!!!!!
No dia seguinte, meu chefe veio dizer que na minha casa só tinha doido. E o pior é que eu não pude nem falar nada, porque o Fulano de Tal jamais entenderia que, para o meu pai, aquele universo de coluna social era tão distante do nosso dia a dia, quanto o Mustafá das Arábias que ele disse ser, ao telefone.
Minha carreira de colunista social não foi muito longe, durou poucos meses como “foca”, ou seja, estagiária de jornalismo na equipe daquele grande nome da imprensa brasileira. O chefe, que tinha o hábito de fazer cocô no bidê, dizendo que lá no Primeiro Mundo era assim, e que vaso sanitário é coisa de povo atrasado, chegava sempre muito elegante, de chapéu e roupas de linho, mas seu temperamento autoritário e sem-educação me desestimulou desde o primeiro dia... ainda assim eu tentei, juro que tentei... sabia que aquele emprego poderia me abrir portas para ótimas oportunidades.
-- Liga aí para o Roberto Marinho, que eu preciso falar com ele. Pega o número no caderninho.
O velho jornalista tinha um jeito tão imperativo de falar, que para mim era difícil demais fazer qualquer coisa. Sempre tive problemas com autoridade, quem não sabe? Nervosa, por sua presença, e pelo desejo de fazer tudo direitinho, demorei pra encontrar o número, mas finalmente a secretária atendeu. E eu me apressei:
-- Alô? Por favor, o Roberto?
Eis que Fulano de Tal deu um salto mortal e se aproximou de mim a tempo de desligar o telefone, antes que eu dissesse qualquer outra coisa. Imagina o susto que eu tomei.
-- “Roberto”?! O homem é DOUTOR Roberto Marinho para o mundo inteiro, mas pra você, a foca mais importante do planeta, ele é só o “Roberto” !!! Tá maluca, minha filha? Quer me matar?!
Paralisei. E eu lá sabia que tinha que chamar o homem de “doutor”?!
-- Faz o seguinte: liga aí para o Alessandro Porro. Deixa o “Roberto” pra lá.
-- Alessandro quem?
-- Porro ! Porro mesmo, marido da porra! Liga logo porque eu não tenho o dia inteiro!
Do fundo de toda a minha ignorância, brotou em mim a certeza de que ele estava de sacanagem. Na certa tinha inventado aquele nome só pra me ver procurar o número, nervosamente, no caderninho. Mas não é que achei? O cara existia mesmo, pra minha enorme surpresa. Pelo sim, pelo não, falei insegura com a secretária, diminuindo o tom de voz no decorrer do nome:
-- Por favor, o Alessandro
Porro ?
E eis que a jornalista minha colega, que escrevia a coluna praticamente inteira, saiu de férias, e um substituto “experiente” foi posto em seu lugar. Depois de quatro semanas fazendo tudo sozinha, porque o tal substituto fingia que trabalhava e jogava tudo em cima da “foca”, metade de mim era puro orgulho, e a outra metade estava à beira da exaustão.
Eu tinha meia-dúzia de contatos para os quais ligava, diariamente: foi assim, por exemplo, que conheci o Ivo Pintaguy, o Mariozinho Oliveira e o Fernando Sabino, todos gente finíssima. Lembro de um cientista que gostava de tirar onda com a minha credulidade:
-- Fernanda, publica a nova pesquisa que o Instituto Oswaldo Cruz está fazendo: as correntes marítimas são influenciadas pelo movimento dos bigodes dos camarões!
-- Jura?! Mas que coisa interessante! Incrível! O Fulano de Tal vai adoraaaaar !!!
-- Fernanda, minha fofa, o Fulano de Tal vai é te demitir. Não tá vendo que é piada?!
O fato é que, apesar de toda a minha dedicação, reconhecimento do chefe, que era bom, nada: ele continuava me tratando com a mesma autoridade exagerada de sempre, o que, para mim, foi ficando cada vez mais insuportável.
A coisa chegou ao clímax no dia em que saí do banheiro enxugando as mãos com a toalhinha de rosto que ficava pendurada ao lado da pia, e minha colega, que já havia voltado das férias, se surpreendeu:
-- Fernanda, esqueci de dizer pra não enxugar as mãos com esta toalha, que o Fulano de Tal usa como papel higiênico!
E foi assim que a minha carreira de colunista social escorreu ralo abaixo. Saí pela rua desempregada, mas leve. E aprendi que, na vida, há sempre um limite para o sacrifício.