terça-feira, 26 de junho de 2012

Não diga que desta água não beberá!

Eu não gostava de Abba, principalmente daquela música que diz "Can you hear the drums Fernandoooooo?", e que vez por outra algum cafona cantava, querendo me agradar, naturalmente mudando o gênero do personagem principal.

Pois se eu já detestava a música, que dirá a adaptação... Sempre trocava a estação quando o rádio tocava o dito grupo, mas como quase tudo na vida pode ser remediado, eis que apareceu aquele filme fraco que sei lá por que a Maryl Streep achou por bem estrelar, o "Mamma Mia!", e não é que me peguei dançando na poltrona? E dançando com quem? Com o Abba.

Impressionante como as opiniões podem mesmo virar pelo avesso, assim de repente na cabeça da gente! Então não diga que "desta água não beberá", porque certamente acabará tomando a garrafa inteira e pedindo outra dose. Sabe que uma vez caí de amores justamente por um cara que considerava o campeão invicto da categoria "nada a ver"? E tive que engolir a gozação de minhas amigas, o que, confesso, não foi nada fácil... vai ver que foi por isso que fiquei com gastrite crônica!

E a primeira vez que fui a Nova Iorque, jurando que aquele lance de compras não ia me pegar, porque eu queria mesmo era o circuito dos museus? Gente, voltei com a coluna torta de tanto carregar sacola! E as amigas continuavam rindo...

-- EEEEEEuuuuuuuuuu, cantar no Karaoquê?!

Mas só quem estava lá é que sabe como foi difícil me fazer largar o microfone...

No entanto, o maior vexame devido à mudança radical de comportamento foi a primeira vez em que andei de avião: era adolescente e me sentia tão chique que até levei chapéu, pra entrar no clima das estrelas de Hollywood. Na viagem de ida, consegui manter a pose e não bancar a deslumbrada: imagina se eu ia dar na pinta...

Na volta foi que a coisa desandou, porque tivemos que ser rearranjados em outro voo e não haveria lugares marcados. Só lembro das gargalhadas que eu dava enquanto apostava corrida com meu primo Léo, que também queria garantir sua janelinha, e via o chapéu indo pelos ares na pista...

Já sentada, suspirando de alívio com a janela garantida, quase morri de vergonha quando entrou uma moça do grupo, muito elegante, segurando a minha bagagem de mão:

-- Fernanda, você estava com tanta pressa que deixou sua mala pra trás...

Hoje eu dou risada de tudo isso, mas não esqueço o constrangimento vivido a cada vez que uma testemunha do meu preconceito aparecia para cobrar a convicção antiga:

-- Vocêêêê??????????? Quem diria...

Por estas e outras é que, hoje em dia, eu não digo "nunca!" ou "jamais!" pra mais nada... ainda mais quando penso que quase cometi a loucura de comprar uma bolsa Louis Vuitton recentemente... e logo eu, que acho esse negócio de grife uma cafonice sem fim! Eu, hein?! Deus me livre!



terça-feira, 19 de junho de 2012

Os fins justificam os meios?

Mudar de ideia é sinal de inteligência. Coisa de quem pensa, raciocina, evolui. Lamentavelmente não foi por este motivo que Lula foi à casa do Paulo Maluf costurar a candidatura de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo... antes fosse!

Se Lula tivesse simplesmente mudado de opinião e se convencido de que Maluf e seu partido têm tudo a ver com o PT, e que as históricas diferenças entre ambos ficaram para trás... a gente poderia até achar esquisito, mas ao menos seria autêntico, ainda que não fosse coerente ou convincente.

Mas quando a coisa é movida pela conveniência, eu pergunto: vale tudo em nome de uma causa? Quando a gente se junta ao maior "inimigo" ideológico, em busca de apoio, como é que fica a ética?

Se Fernando Haddad vencer as eleições, jamais saberemos se foi por causa dos 90 segundos a mais no programa eleitoral da TV, resultantes da tal aliança. Mas a pergunta que fica é:

-- E aí, Lula? Valeu?

O pior é que eu acho que ele vai dizer sim. Ô decepção...

Eu acho nojento, mas tem gente que engole cada coisa...

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Milagre na emergência

Minha tia Nazareth ficava uma fera quando ia ao médico e ficava sabendo que não tinha nada.

-- Paguei só pra saber que não estou doente!

Dia desses, o Migliaccio (aquele do Rio Acima) bancou a tia Nazareth, quando foi a um doutor expert em joelhos e a consulta durou só alguns minutos. Explico... este doutor é oriundo das emergências cariocas, e pelo que já percebi, isso faz toda a diferença em sua atuação em consultório: médicos como ele não perdem tempo com conversa. Aliás, foi ele que acreditou em mim, embora vários exames de última geração me desmentissem, e me internou para "pescar" das profundezas do meu pé um caco de vidro absolutamente minúsculo, mas que não me deixava calçar nenhum sapato! É herói ou não é??? Então pra que é que um homem deste vai demorar na consulta?

Já a minha dermatologista, médica chique do Leblon, leva mais ou menos 40 minutos só pra indicar um creme para o rosto, e simplesmente porque adora bater um papo, falar de política, comentar as notícias do jornal. E a clientela lá fora que espere! Aliás, esta mesma dermatologista uma vez explicou por que é que só indica cremes caros:

-- È que aqui funciona assim, Fernanda: se eu passar produto barato, os pacientes reclamam e não voltam mais, achando que eu não sou boa médica.

Pode?! Como se vê, nem sempre o cliente tem razão.

Outro amigo meu encarava um dia de trabalho duríssimo, enquanto tentava ignorar a dor terrível de um furúnculo na perna, daqueles que ele, devido a experiências anteriores, já sabia que estava madurinho, pronto para ser espremido. Por fim foi a um consultório. O doutor olhou o bichão, inchado, roxo, enoooorme... e indicou o pronto-socorro. Não sem antes passar de leve um ferrinho sobre a pele inflamada, na falsa tentativa de fazer um corte. Meu amigo não resistiu, vendo que o médico estava mesmo à beira de um desmaio, ainda arriscou:

-- Tem que espremer com a mão! Este "palito" aí não vai resolver não!

Não teve jeito: aguentou as dores até chegar em casa e contar com a ajuda do irmão, médico recém-formado e que dava experiente onde? Numa emergência de hospital público.

Minha gastrite há anos vem sendo tratada com o que há de melhor, um remédio pra lá dos cem reais indicado por uma médica bam-bam-bam de Ipanema, cuja consulta custa os olhos da cara. Apesar do preço, o tal remédio nunca cumpre o que promete em seus 14 dias de tratamento. Desta vez, com a crise a mil por hora, apelei para o tal irmão do tal amigo, que já conta com anos de experiência nas emergências públicas do Rio.

-- O que você acha do remédio "xis"? -- perguntei. Sabe que ele nem conhecia? Como diz o Marcos Lúcio em seus comentários,"marrelógico!" Médico de pobre não conhece remédio caro, porque só trabalha com os baratinhos. E foi assim que uma caixa de comprimidos que custou menos de quinze reais venceu a gastrite em dois dias. Tô quase indo lá dar um beijo na boca deste homem!

Calma aí... não estou botando a turma toda no mesmo balaio, é claro, isso seria atestado de burrice. Conheço sumidades que dão expediente em consultórios onde pobre não tem vez, e já vi plantonistas de emergência indicando antibiótico sem nenhum exame prévio, só mesmo para "prevenir uma possível infecção". Mas uma coisa é certa: quando a gente dá a sorte de encontrar um médico realmente experiente numa emergência, o problema se dá por resolvido, e pode crer que o milagre se faz... inclusive porque está cada vez mais difícil ter esta sorte.


sábado, 16 de junho de 2012

O piriri e a filosofia do Tim Maia

Nossa história de hoje começa com um piriri desgraçado, daqueles que só um vidrinho de óleo de rícino é capaz de deflagrar. Minha irmã costumava dizer que na hora da dor de barriga todo mundo é igual, e eu concordo. A dor de barriga, tanto quanto a morte, é a única coisa que realmente acaba com a diferença de classes. Não há charme, dinheiro ou superioridade que resistam àquela cólica que, assim como a vida, vem e vai como se fosse ondas do mar.

Pois bem: eu, a princesa real que veio das Gerais, estive completamente à mercê do óleo do rícino, sofrendo um enjôo que nem a mais enjoativa gravidez seria capaz, e até chamando por Nossa Senhora nos piores momentos no banheiro... pra piorar, me assombrou durante todo o dia a consciência de que, à noite, teria ainda que tomar mais de um litro de remédio dissolvido em suco, para a faxina definitiva no aparelho digestivo. Pra aguentar tudo isso, só mesmo a promessa de meu co-piloto:

-- Amanhã, depois do exame, te levo pra comer alguma coisa bem gostosa!

Então chegou o dia seguinte, e a hora do exame médico. Saindo da clínica, recebi o convite para um trivial café com leite e pãozinho com manteiga, mas como o médico disse que a dieta estava liberada, não resisti: parti logo para o almoço e tratei de compensar o sofrimento do dia anterior com dois pastéis de queijo, feijão com purê de batata na manteiga e, como o apetite estava meio esquisito, caprichei na sobremesa... três picolés de chocolate!

Eu e minha glutonia estávamos ainda no terceiro picolé quando a dor começou. Parecia que o estômago queria pular boca afora, e tive a impressão de que os intestinos tinham a mesma pretensão. Rolando em cólicas, corri pra casa e passei o dia todo em dores, suores e fraquezas. Para espanto total do co-piloto, à noitinha choraminguei:

-- Aaaai, tô fraaaca! Não comi nada hoje...

E liga pro médico, e compra remédio, e chora de dor, e rola na cama...

Eis que, de repente, no auge do meu enjôo, o celular acusa uma mensagem: era o Migliaccio, do Rio Acima, sumido há uma semana pelo azul do mar  do Nordeste.

"Tô comendo uma linguiça de bode".

Fiz até poesia: Bode?! Mas como é que pode?!

Só de imaginar, fiquei com febre... no momento em que não conseguia nem tomar um copo d´água, a notícia  me empacotou o estômago, que já estava embrulhado... mas também me fez pensar nas ironias da vida e na filosofia do Tim Maia: "enquanto um sofre, o outro ri". Lembrei de todos os doces deliciosos que comi em Paris, e que ainda hei de comer de novo: taí um sonho bom pra rebater este dia de horror. E tudo isso me valeu a única risada que dei nestes dois dias de dores.



quarta-feira, 13 de junho de 2012

Tudo muda o tempo todo no mundo

Praia de Copacabana, 9h da manhã


Praia de Ipanema, meio-dia



Avenida Niemeyer, 14h


O dia foi assim. E eu também às vezes sou.

Alguém aí de vez em quando acorda instável?

Foi uma daquelas manhãs em que me olhei ao espelho e ouvi a voz do Cid Moreira (sou fiel, não me acostumo ao William Bonner!) que vaticinava:

-- A meteorologia avisa: o dia está esquisito!

Então eu faço sol, depois eu chovo, eu choro, eu faço cair trovoada... Aí preciso dormir pra esquecer; quem sabe acordar nublada. Ou, em caso de milagre, porque eles também existem, acordar com o sol a pino e botar o dia nos trilhos.

Nem sempre dá, nem sempre eu dou conta... então não tem jeito: só mesmo deixar passar. Ainda bem que passa e a vida continua... como uma onda no mar.


segunda-feira, 11 de junho de 2012

Em busca da alma gêmea perdida

Lembra quando a Xuxa caiu na asneira de dizer que acreditava em duendes? Pois é. Eu acredito em alma gêmea.

Acredito, e quanto mais o tempo passa, mais a minha crença se fortalece, porque volta e meia tenho a sorte de dar de cara (ou será de auréola?) com uma das minhas almas gêmeas que andam por aí.

Mas olha: não acredito bulhufas naquela conversa de que as almas gêmeas são idênticas, cara de uma e focinho da outra... que pensam igual, que gostam das mesmas coisas, que sonham os mesmos sonhos e parará, pororô. Mas creio realmente nas tribos, e até já escrevi sobre isso alguma vez: as almas não vêm todas do mesmo lugar; elas vêm de tribos diferentes, e estão por aí, espalhadas neste mundo, onde de vez em quando encontram suas "gêmeas"...

Então não tem esse negócio de alma gêmea ser só o par amoroso. Ela pode ser aquele amigo com quem você adora conversar por sentir-se completamente solto e à vontade, com espaço para ser exatamente quem você é, sem nenhuma máscara ou pudor. Sabe por quê? Porque ele entende a sua linguagem, os seus motivos, os seus medos e desejos, mesmo que ele fale outra língua, tenha outros motivos, outros medos e outros desejos... o que une as almas gêmeas é um profundo sentimento de afinidade e empatia, ainda que ambas sejam bem diferentes: isso é a raiz do amor.

Ela também pode ser seu pai, sua mãe, sua irmã ou aquele professor com quem você se afinava demais, e que te ensinou muito mais que a matemática ou a filosofia de Platão. Também acontece de, às vezes, a gente encontrar a alma gêmea num personagem de ficção... num livro ou num filme. E pode ser uma pessoa da qual a gente nunca consiga chegar perto, como um escritor, um cineasta, um jornalista. Sabe aquele amigão da juventude, com quem você era unha e carne, e com quem você se encontra anos mais tarde, e vê que não tem mais nada a ver? Ele nunca foi sua alma gêmea. E aquele outro, com quem você se encontra uma vez a cada seis anos, e o papo rola solto, como se vocês tivessem se visto semana passada? Este é alma gêmea e das grandes!

As almas gêmeas podem ser bem diferentes, mas no fundo elas têm tudo a ver. Que tal Gandhi e Mandela? Garanto que vieram da mesma tribo. Acho que Machado de Assis e Eça de Queirós também. Fidel, Chávez e Evo Morales, idem. Albert Einstein e Charles Darwin. Batman e Robin... Scooby Doo e Salsicha. Ronaldão e Ronaldinho. Silvio Santos e Lombardi. Sarney e Collor. Alma Lavada e Rio Acima.

O bom de tudo isso é que a gente não precisa fazer esforço nenhum para identificar uma das nossas almas gêmeas: dois minutos de conversa e tcham! A gente se recorda uma da outra! Às vezes basta só um olhar, e a memória do coração clareia... e o encontro vira um reencontro.

Neste dia dos namorados, sugiro uma mudança de perspectiva: em vez de seguir batendo cabeça procurando o par perfeito por aí, pense que, de repente, aquela pessoa que é tão diferente de você, que parece ter vindo de outro planeta... pode mesmo é te fazer muito feliz! Quem sabe ela não é sua alma gêmea disfarçada, e você, que busca alguém que seja a sua cópia, ainda não viu?

Quem foi que disse que um Urso não pode ser alma gêmea de uma Lhama? Olha a cara de felicidade do casal...

domingo, 10 de junho de 2012

Não há tatu que aguente viver de Complexo de Elis Regina

Dia desses fui ver uma exposição sobre o cineasta italiano Federico Fellini, e fiquei encantada com os desenhos que ele fazia para retratar seus sonhos, e que tinham por função a tarefa genial de alimentar sua criatividade.
Achei o hábito coisa de inteligência superior.

Tá certo que o homem já nasceu desenhista, mas o que eu gostei, realmente, foi do fato de que ele, mesmo sendo um artista plural, dedicava-se a alimentar sua criatividade nas horas vagas, tratando-a como um ser vivo que precisa de atenção e de estímulo. Fellini abria espaço para a fantasia, tratava a pão-de-ló sua imaginação para que ela fortificasse e desse frutos. Seus desenhos eram a porta para uma visita que ele fazia a si mesmo: um momento íntimo de expansão mental e de prazer solitário... quando ele fazia de sua mente um barco ou uma nave espacial, e viajava alegremente para dentro de si.

Veja você que, na nossa enorme lista de afazeres, a gente não encontra espaço pra encaixar um momento só nosso, aquela meia horinha tirada das 24 horas do dia e que vira um momento sagrado e inegociável... porque é o tempo da sanidade interna: tempo de acordar para si mesmo, tempo de "despertar" para uma realidade que é só nossa, e de mais ninguém.

No corre-corre interminável pra dar conta das obrigações cotidianas, a gente quase vira um pouco máquina, e no lugar de coração temos uma bateria que só avisa a hora de parar quando a exaustão nos rouba o travesseiro e ronca bem alto... atrapalhando nosso soninho leve que não descansa ninguém. Sentimentos? Necessidades? Desejos? Saudades? Afetos? Emoções? Brincadeira? Riso? Ócio? Talentos? Nada disso tem lugar na lista... porque na lista só cabe encargo, dever e lei.

Pois vou te contar uma coisa: como se diz lá em Minas, "assim não há tatu que aguente!".

Aí entra o papo de que, pra dançar, é preciso ser bailarina. Pra desenhar, tem que ser desenhista. Pra atuar, é claro que tem que ser ator! E pra cantar? Tem que ser cantor! "Pensar?! Pensar é coisa de filósofo ou de desocupado! E eu lá tenho tempo pra pensar?!".

Uma vez, na aula de canto, fechei a boca com medo do ridículo porque aquela nota era impossível pra mim. Como é que eu, Fernanda Dannemann, a mais real das princesas reais, ia desafinar?! Tratei logo de arranjar uma desculpa pra sair da situação constrangedora com o nariz em pé.

-- Não consigo!

Ao que meu professor respondeu:

--  O erro e a falta de jeito fazem parte da vida, mas não podem limitar a vida: eles são só um passo a mais pra gente aprender. E se der pra ser divertido, melhor ainda.

Caiu a ficha: eu não sou Elis Regina, mas também quero cantaaaaaaaar!!!!!!!!!!!!!


Olha alguns dos sonhos que Fellini desenhou:




quinta-feira, 7 de junho de 2012

Muito além do queijinho curado

Voltemos ao Visconti, porque este homem tem muito a dizer.

Não entendo nada de pintura, vou logo avisando, e felizmente tenho um co-piloto que saca do assunto e me explica as coisas nas exposições. Isto faz toda a diferença, porque uma coisa é só olhar um quadro... outra, totalmente diferente, é olhar o dito-cujo e entender o contexto do por quê que ele é assim ou assado.

Visconti, diferente da maiorira dos artistas de sucesso desta e de outras épocas, não se contentou em seguir o mesmo caminho. Ele ousou tentar vários estilos. Olha só: eu adoro Polock e Mondrian, por exemplo, mas estes dois, ainda que geniais, foram mais tímidos em sua criaitividade, limitando-se à forma de expressão que eles próprios criaram. Outros, que não chegaram a gênios, como Botero e Romero Brito, seguem variando sobre o mesmo tema, e acabam repetindo-se vida afora.

Aí é que está: a gente não precisa ser artista para incorrer na repetição. Saca o mineirinho que come sempre o mesmo queijinho curado? É disso que estamos falando. Se a gente não presta atenção, transforma todos os dias em um só, porque temos a tendência natural a não arriscar um salto no novo.

Experimentar uma torta de quiabo, ir a um restaurante tailandês, parar pra conversar com aquela pessoa, usar uma blusa rosa-choque, viajar para um lugar bem distante, ler um livro em espanhol, abrir-se para conhecer e aprender coisas novas... quem sabe até gostar!

Vou te contar: eu tinha preconceito em frequentar piscina de clube. Achava ultra-brega! E não é que agora a-do-ro ficar meia horinha lá? Outro: cinemão de Hollywood! Cruzes! Agora, quem diria, comprei a coleção de "O Senhor dos Anéis" e tenho até "Avatar!".

O negócio é o seguinte: na grande maioria das vezes em que provei um queijo diferente, eu, como boa mineira, achei que o tal queijinho curado era mesmo melhor. Por outro lado, minha vida vem ficando cada vez mais rica e divertida à medida em que provo os queijos diferentes. E se você quer saber, alguns até que são bem saborosos! Se a gente não se cuida, faz igual ao mineirinho que, ao encontrar o gênio da lâmpada, gastou seus três pedidos com três queijinhos curados!


1898: Em "Giuventú", o estilo Clássico que o consagrou:


1893: "o Homem do Gorro Vermelho". Outro Clássico
1922: Em "O Colar", lembra o Expressionismo


1917: Em "De volta às Trincheiras", ele mostra seu talento impressionista


1902: "Vista do Mar" nos remete ao simbolismo


1933: Em "Ilusões Perdidas" ele brinca com o Surrealismo

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Ecologia: pra salvar o mundo, salve primeiro a emoção

-- Você fala do seu pai, mas é igualzinha a ele!

Fiquei uma fera com a minha mãe quando ela me disse isso, lá pelos meus 17 anos, em resposta a uma queixa que lhe fiz, a respeito do Velho Dannemann.

Anos depois, numa sessão de análise, levei um susto tamanho GG ao enxergar as semelhanças, tão grandes e tão nítidas, que me ligavam, como um fio invisível, à minha família original... e eu, que andava pela fase da revolta, pensando que era diferente em quase tudo!

Tais semelhanças são um mistério: invisíveis a nós mesmos, totalmente aderentes à pele e à alma, e dotadas de raízes tão profundas e fortes que chega a ser impossível saber onde está a semente. Elas também parecem ter vida própria, porque atuam sobre nós sem que a gente se dê conta: um gesto, uma reação, um tom de voz, um jeito de sorrir... mas sabe? No lote das heranças não vem só coisa boa (quem nos dera!), e domar aquelas que não prestam é um exercício eterno de atenção e de cuidado...

O interessante, ao pensar a respeito disso, é notar que estas semelhanças não moram todas no DNA; muitas a gente aprende com a convivência, com o exemplo, com o que nos é ensinado no dia a dia. E estas aí não nos são transmitidas só pelos pais, avós e tios, mas por qualquer pessoa com a qual a gente tenha a sorte (ou a falta de sorte) de cruzar. Se um motorista me xinga na rua, posso fazer dele um espelho e partir pra briga. Mas se digo bom dia ao porteiro do prédio, e sorrio de verdade para ele, a chance de ter o mesmo retorno é quase 100%. Se não acredita, faça o teste, e verá quanta verdade existe na máxima que diz que, se "violência gera violência", "gentileza também gera gentileza". Tudo é uma questão de opção. E de responsabilidade.

Se queremos tanto mudar o mundo, seria um bom começo reciclar nosso lixo interno e não fazer as crianças de lixeira. Deveríamos, quem sabe, investir tempo e energia para limpar a mente e torná-la mais ecológica, de forma a não envenenar nosso corpo, alma e quem mais estiver por perto. Se queremos mesmo salvar o planeta, temos antes que salvar o que há de bom em cada um de nós: taí uma atitude que faria toda a diferença.


segunda-feira, 4 de junho de 2012

Traduzir: a arte de ser invisível

Há alguns anos escrevi para o jornal O Estado de S. Paulo uma matéria sobre o trabalho invisível dos tradutores. Entitulado "Traduzir, caminho árduo de quem ama a palavra", contava com entrevistas de renomados profissionais da tradução: Carlos Nougué, que trabalha com espanhol e francês, Nancy Rozenchan, com o hebraico, Boris Schnaiderman, especialista em russo, Lia Wyler, tradutora oficial de Harry Potter, e Rita Desti, tradutora de Paulo Coelho na Itália.

Conversando com eles, mestres da palavra, aprendi a respeitar ainda mais o ofício da escrita. O trabalho do tradutor exige muito além da humildade e do conhecimento técnico: exige que ele seja escritor, tanto quanto o autor que ele traduz, e que o empenho seja total e absoluto, verdadeira entrega, doação no melhor sentido do termo. Porque o tradutor é aquele que empresta o seu talento para valorizar o talento do outro.

Invisíveis, eles não costumam colher os louros pela beleza de um livro ou pelo sucesso de vendas... o que é lamentável, porque é deles o trabalho impresso em cada linha... o que para mim significa que também são autores. Não era à toa que o português José Saramago exigia que seus livros fossem publicados com a grafia original em todos os países de língua portuguesa: ao menos nestes lugares, tinha garantida a fidelidade e a beleza do que havia escrito.

Veja que coisa linda a tradução do poema "Invictus", que consolou Nelson Mandela em seus piores momentos, na prisão. Parabéns ao tradutor!

Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.

Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.

Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.

Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.

Autor: William E. Henley
Tradutor: André C.S. Masini

domingo, 3 de junho de 2012

O tempo passa, e nós também

A gente não se dá conta, mas o tempo passa... e nós também.

Encontro aquela amiga antiga, que fiquei anos sem ver, e penso "nossa! Como ela envelheceu!"... mas concluo que ela deve ter pensado o mesmo de mim, à revelia dos cremes e do espelho aqui de casa, que é de ótima qualidade e se recusa a mostrar a verdade total dos fatos: nele, todo mundo fica lindo, até eu mesma, nos meus piores dias de TPM ou alergia.

A primeira vez que me dei conta de que estava envelhecendo, tinha mais ou menos vinte anos: foi quando uma das crianças da vizinhança me chamou de "tia". Minha mãe não aguentou e fez piada:

-- Ih! Já era! Depois que te chamam de tia pela primeira vez, é só esperar te chamarem de "senhora"...

Pois não demorou muito; eu estava com trinta e poucos e mal acreditei que já tinha chegado "lá". "Gente...mas não foi outro dia desses que uma criança mala me chamou de 'tia' na rua?!". É, amore... o tempo não passa, o tempo voa!

Envelhecer chega a ser engraçado... ao mesmo tempo em que você vai ficando mais ponderado, que aprende a identificar melhor o real peso e a real medida das coisas... ao mesmo tempo em que aprende a viver melhor e não dar importância para o que não tem importância... sabe o que acontece? Começa a ser paquerado por gente que, há até bem pouco, chamaria de "tio" ou de "tia", como o tal garoto chato lá da minha vizinhança.

Então você se rebela, acha um absurdo, um escândalo, uma falta de vergonha! "Esses velhos babões estão cada vez mais atrevidos!".

Mas aí ... acontece o incrível, o inimaginável, o inacreditável... e, por fim, o inevitável:

Um belo dia, você é que se pega achando aquele cinquentão um gato! Aí, meu bem, é que não tem jeito mesmo: o tempo passou (e você, mais uma vez, porque eu já disse isso em algum post) igual à Carolina, não viu!
E dá-lhe cremes... e ginástica, auto-análise, beijo na boca, imaginação e boa-vontade para ser feliz apesar das rugas, porque ruga não é o fim de nada, é só o começo... da Terceira Idade! Como diz meu guru Sergio Cortella, "a vida é curta, cabe a nós não fazermos dela... pequena".

No fim de semana fui ver a exposição do pintor italo-brasileiro Eliseu Visconti, no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e a sequência de auto-retratos chamou-me a atenção justamente para isso:  o tempo passa sobre o homem ali nas telas, mas a vitalidade e a doçura seguem em seus olhos. Os traços e as cores sobre o rosto sugerem que Visconti soube levar a vida sem resvalar na pequenez. Morreu aos 78 anos, vítima de violência em seu atelier, durante um assalto.



Eliseu Visconti em 1898

1902

1905

1910

1914

1925

1929

1938

1943



sexta-feira, 1 de junho de 2012

Lula e o fim das empregadas domésticas




Concordo que, para muitos, o termo “empregada doméstica” soa mal. Aqui mesmo onde eu moro, lugar cheio de gente que sonha em ser madame, esta expressão caiu em desuso. O porteiro me liga pelo interfone:

-- Dona Fernanda, sua secretária tá aqui em baixo.

-- Eu não tenho secretária.

E ele, descadeirado:

-- É a moça que ajuda a senhora com a faxina...

Ainda não sei como é que “empregada” e “faxineira” não viraram “colaboradoras”. Dia desses, o rapaz que limpa os vidros aqui de casa chegou para o serviço e me pegou com o cabelo pra cima e a vassoura na mão. Ficou chocado:

-- A senhora consegue?!

É, fia... limpar a casa parece que já não é coisa pra qualquer um...

Ontem entrei no elevador com o jornal na mão. Em outro andar, entrou a moça que trabalha como diarista em algum apartamento vizinho. Vendo a foto do Lula na primeira página, ela comentou (acho que para si mesma):

-- Estão metendo o pau no Lula de tudo quanto é jeito...

-- -É... você gosta dele? – perguntei

-- Gosto.

-- Eu também.

Ela se surpreendeu, e eu fui pelo mesmo caminho:

-- A senhora?! Não pensei que madame gostasse do Lula...

De minha parte, acho que o Lula também não gosta das madames, mas concordo com ele que a nossa elite torce mesmo o nariz para pobre que anda de avião...

Embora eu creia nos bons sentimentos do ex-presidente, quando ele diz que o Brasil tem que acabar com as empregadas domésticas para entrar no Primeiro Mundo, acho esta sua fala uma distorção, porque soa como se a profissão fosse “menor”. Além do mais, não é raro que em países desenvolvidos as faxineiras e babás sejam provenientes de lugares como... o Brasil!

Eu sei, eu sei que há muitas patroas por aí que exploram suas “colaboradoras” e fazem delas verdadeiras escravas. Mas esta não é uma verdade absoluta... não acredito, por exemplo, que a dona Marisa trate mal sua “secretária”... ou que queira abrir mão dela e pegar pesado no batente. A escritora Ruth Rocha certa vez me disse algo mais ou menos assim:

-- Quem tem que entrar pela porta da frente da sua casa, e comer à mesa com você, é a empregada que limpa a sua casa, lava os seus lençóis, faz a sua comida e cuida do seu filho.

No momento em que Lula aborda o assunto dando ênfase ao preconceito, como se esta profissão perpetuasse a escravatura no Brasil, alimenta ainda mais o ressentimento na cabeça das classes mais pobres. Sim, todo mundo deve ter direito ao estudo... quantos médicos, advogados, engenheiros e jornalistas há por aí, trabalhando como motoristas de táxi e fazendo concursos públicos para cargos de nível médio? Será que eles se sentem "menores" por isso? Se o país inteiro fizer prova para o Itamaraty, em busca de um bom salário e boas condições de trabalho, quem é que vai tirar o lixo da rua? Quem vai pilotar os ônibus? Quem vai ser professor? Antes de acabar com as domésticas, deveríamos garantir dignidade a todo e qualquer trabalhador brasileiro: isso sim é entrar para o Primeiro Mundo.

Antes que alguém interprete mal minhas palavras, digo o óbvio: basta imaginar o mundo sem os lixeiros para vermos o quanto esta profissão, tão desprezada socialmente, é importante. O que falta ao Brasil é justamente a consciência de que todas as profissões são importantes e merecedoras de salários dignos e garantia de direitos... o mal não está em ser varredor de rua, mas em ser mal-remunerado e não contar com boas condições de trabalho.

Lula deveria olhar a questão por outro lado e lembrar-se que ele mesmo é o maior exemplo de que os mais humildes podem chegar longe... ou simplesmente serem felizes com sua condição. É difícil, eu sei, mas temos que ter em mente que ser empregada doméstica não é vergonha, assim como ser metalúrgico. Hoje em dia, no Brasil, vergonha é ser político.


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