segunda-feira, 4 de junho de 2012

Traduzir: a arte de ser invisível

Há alguns anos escrevi para o jornal O Estado de S. Paulo uma matéria sobre o trabalho invisível dos tradutores. Entitulado "Traduzir, caminho árduo de quem ama a palavra", contava com entrevistas de renomados profissionais da tradução: Carlos Nougué, que trabalha com espanhol e francês, Nancy Rozenchan, com o hebraico, Boris Schnaiderman, especialista em russo, Lia Wyler, tradutora oficial de Harry Potter, e Rita Desti, tradutora de Paulo Coelho na Itália.

Conversando com eles, mestres da palavra, aprendi a respeitar ainda mais o ofício da escrita. O trabalho do tradutor exige muito além da humildade e do conhecimento técnico: exige que ele seja escritor, tanto quanto o autor que ele traduz, e que o empenho seja total e absoluto, verdadeira entrega, doação no melhor sentido do termo. Porque o tradutor é aquele que empresta o seu talento para valorizar o talento do outro.

Invisíveis, eles não costumam colher os louros pela beleza de um livro ou pelo sucesso de vendas... o que é lamentável, porque é deles o trabalho impresso em cada linha... o que para mim significa que também são autores. Não era à toa que o português José Saramago exigia que seus livros fossem publicados com a grafia original em todos os países de língua portuguesa: ao menos nestes lugares, tinha garantida a fidelidade e a beleza do que havia escrito.

Veja que coisa linda a tradução do poema "Invictus", que consolou Nelson Mandela em seus piores momentos, na prisão. Parabéns ao tradutor!

Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.

Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.

Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.

Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.

Autor: William E. Henley
Tradutor: André C.S. Masini

6 comentários:

  1. Durante muitos anos, quando ainda vivia ai, fui tripulante da Varig e, por obvia consequencia, voava mundo afora.
    Fui algumas vezes a Africa do Sul. Numa dessas viagens, quando retornava, logo apos decolarmos de Capetown um passageiro apontou para um ponto de terra distante algumas milhas do continente e disse que naquela pequena ilha Nelson Mandela esteva preso.
    Senti uma mistura de raiva e indignacao ao imaginar que naquele "nada" estava presa uma pessoa pelo fato de contestar um regime que separava pessoas pelas racas e tons de pele.
    Quem sabe, naquele momento, Mandela nao estivesse lendo - mais uma vez - esse poema...
    O tradudor eh o heroi anonimo: gracas a ele/ela entramos no fantastico mundo da leitura, passeando por tramas, aventuras, contos, poemas. Gracas a um tradutor podemos conhecer um pouco sobre culturas tao distantes e tao diferentes que nesse mundao existe, sem quase nunca prestar atencao no nome do heroi.

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  2. Todas as vezes em que penso nos fundamentais tradutores, é recorrente a idéia sobre o trabalho hercúleo que eles têm, para contornar situações mais complexas ou intraduzíveis, digamos assim. E mais:o que se perde_ saramagamente_ ou o que se pode ganhar com estas traduções? Há quem jure ser algumas traduções superiores, em alguns aspectos, a certos originais.

    Como o Pedro Bondaczuk refletiu muito bem sobre a questão, farei minhas as palavras dele:
    "Os povos têm maneiras peculiares de descrever sentimentos, de acordo com seus costumes e tradições. Há palavras, em determinados idiomas, que caracterizam certas emoções que, embora todo o ser humano sinta, não têm termos correspondentes em outras línguas. Até mesmo na própria, diga-se de passagem, algumas dessas definições soam ambíguas e capengas. Querem um exemplo característico disso? Tome-se a expressão “saudade”. Não tem correspondente exato em nenhuma das línguas faladas no mundo, embora não haja ser humano algum que não a sinta. O próprio sentido que os dicionaristas de língua portuguesa lhe dão deixa-nos a sensação de que “é aquilo”, mas não é bem aquilo. Falta alguma coisa, que não sabemos o que é, mas temos certeza de faltar".

    Quanto ao belíssimo e contundente poema, destaco
    a veemência destes enxutos e poderosos versos;

    "Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
    Não me amedronta, nem me martiriza.

    Por ser estreita a senda - eu não declino,
    Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
    Eu sou dono e senhor de meu destino;
    Eu sou o comandante de minha alma".

    Obrigado, queriDannemann, por esta pérola desconhecida (ignoro muiiiiiiiiiitas coisas) e rara.
    Forte abraço
    Marcos Lúcio´

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  3. Juro que foi descuido, portanto: : Há quem jure serem algumas traduções superiores, em alguns aspectos...
    Abraços
    Marcos Lúcio

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  4. Fernanda,

    Este texto me fez refletir, de quantas vezes eu li um livro, prestando atencao somente ao nome do escritor, sem nem me interessar por quem o traduziu...... Realmente uma arte invisivel, como voce tao bem o descreveu.

    Interessante que isso tambem me fez lembrar de uma entrevista que o Ravi Shankar deu, quando perguntaram a ele sobre a musica, ele responde que nenhuma literatura por mais bem escrita nao tinha o poder da comunicacao que ela tem, que faz transportar voce,
    transcender ......

    Por isso a importancia de um bom tradutor.

    Beijos

    Gilda Bose

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  5. Conheci anos atrás, um professor de VERSÃO. Ele falava, segundo a minha mãe, +/_ umas vinte línguas. Vou dizer uma coisa: Pelo jeito muito excêntrico, cabelos em desalinho e roupas por ajeitar. Professor Daniel era o seu nome para mim. Seu sobre nome não me recordo, mas sua atuação era qualquer coisa de muito intuitivo,... Quando dava forma as frases. Algumas vezes pude vê-lo em ação. Lindíssimo.

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  6. Fernanda,

    Lembrei de um comentario feito por Harvey Wienstein
    (produtor de cinema)sobre Nelson Mandela:

    Ele conta que estava assistindo uma palestra, em que Nelson Mandela conta dos longos anos na prisao, e derrepente relata, que ele so tinha permissao para sair da sela, uma vez por semana, para ver filme e que esses filmes o ajudaram a nunca perder as esperancas............

    Bacana, nao?

    Beijos

    Gilda Bose

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