sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Náufrago no oceano de si mesmo

O filme “As aventuras de Pi” guarda um segredo interessante: as tais “aventuras” do garoto que se vê náufrago em um bote, em pleno Oceano Pacífico, e ainda por cima ao lado de um tigre selvagem, são uma metáfora tão poética quanto tremenda... porque acontecem em meio ao oceano interno do homem e às maravilhas e perigos que o habitam.

Prova de fé para alguns, rito de passagem para outros, descoberta dos próprios potenciais como indivíduo: o filme, na verdade, é um pouco de tudo isso, somado à capacidade humana de adaptar-se à realidade através da fantasia, do sonho, da fuga, do desespero. Que nunca pediu arrego em algum momento de profunda solidão e desamparo? Quem nunca precisou sonhar acordado ou acreditar em milagres impossíveis para aguentar a realidade?
E, no entanto, é das garras da solidão que saímos mais vivos e fortes do que nunca. Só quando enfrentamos o perigo ou a indignação, seja pela fome de pão, de justiça, de alegria ou de futuro, é que tiramos de dentro de nós mesmos aquele animal selvagem que, em águas sempre cálidas, jamais apareceria.
Todos temos um bicho feroz escondido internamente, pronto para nos defender ou ser conquistado, mas nunca para ser domado, domesticado ou adestrado. Um animal violento e impetuoso, capaz de tudo em nome da sobrevivência e de sua soberania, e que nos assusta a nós mesmos quando aparece, repentino, em nome de continuar existindo.

É a força da vida, selvagem dentro da gente... verdades inventadas nas quais precisamos acreditar para suportar certas coisas, o duelo entre o que acreditamos e o que é necessário fazer: o impasse entre o certo e o errado, entre viver ou morrer. É a força da vida que se manifesta no homem, de dentro para fora, uma força tão grande que nem a gente sabe de onde veio, e que estará sempre lá, para nosso conforto e confiança: força vital para alguns, instinto de sobrevivência para outros. Para mim, simplesmente, a manifestação de Deus em cada um de nós.
 

10 comentários:

  1. Fernanda, segue um poema que cometi, há uns 15 anos passados, musicado por Silvio Leite, que brinca-sério, com a Fera-Deus, que nos existe.


    Morre teus sonhos
    pisa na terra,
    que a fera
    que te fere,
    não é nada,
    é DEUS.
    Are tuas idéias,
    cultive o seu EU.
    Nada á falar,
    tudo á calar,
    cantando,
    quem sabe,
    morrer.
    Chora alegria,
    cantando o sol
    que pulsa no peito;
    renascendo emoções,
    afagando mágoas,
    afoga a mentira,
    conquista a verdade,
    quem sabe, a maldade,
    te leva á DEUS?

    Abraço e bom fim de semana,

    ANTONIO CARLOS

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  2. "E, no entanto, é das garras da solidão que saímos mais vivos e fortes do que nunca". Somente esta frase , queriDannemann, já seria suficiente para dar conta do seu recado bem dadíssimo, "comme d'habitude"...pelo menos comigo, assim aconteceu. Adorrei o post, "marrelógico". Imediatamente lembrei-me desta frase do Gilberto Gil(nial): "a luz nasce da escuridão".

    Ah!...gostei muito do poema do sr. Antônio Carlos. Remete-me ao processo de individuação junguiano, poeticamente e mal comparando.

    Lembrei-me, também, desta brilhante sacada: o que a lagarta chama a morte, a borboleta chama o nascimento.

    A lagarta não conhece absolutamente a vida da borboleta.
    E, no entanto, no programa da lagarta, está inscrita a borboleta.

    "Entonces", a fase de vazio, de solidão- se soubermos administrá-la com aceitação e inteligência emocional e humildade, ou sorte-, é a ponte necessária para a transição.
    Mas este vazio não corresponde à morte, ao contrário...ele corresponde à mudança ou à passagem da lagarta à borboleta.

    Quem chega (próximo ou tenta chegar) ao estágio de borboleta (ainda que seja ovelha nigérrima rs...) sabe que é através dos desafios que a alma se fortalece, se lava e se louva.
    Li, cri e arquivei, porém desconheço a sábio autoria, no meu desimportante e modesto ponto de vista, e compartilho, então.

    "A vida só é possível através dos desafios.
    A vida só é possível quando você tem
    tanto o bom tempo quanto o mau tempo,
    quando tem prazer e dor;
    quando tem inverno e verão, dia e noite;
    quando tem tristeza tanto quanto felicidade,
    desconforto tanto quanto conforto.
    A vida passa entre essas duas polaridades.
    Movendo-se entre essas duas polaridades,
    você aprende a se equilibrar.
    Entre essas duas asas,
    você aprende a voar até a estrela mais brilhante".

    Santé e axé!!!
    Marcos Lúcio

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    1. Agora, o filme em si (e em mim, o que ele provocou). Não me recordo , em filmes anteriores que assisti, de cenas - artística e esteticamente - mais belas (e já são milhares...sou antiquíssimo rs). Deslumbrante, não dá conta das imagens de cores vibrantes e harmônicas a que se assiste em quase êxtase. É poesia em tela, com um visual impactante , surreal e onírico. Fabuloso, então. A crítica da Fernanda é irretocável. O excepcional filme dá margem a muitas considerações existencialistas , e de forma grandiosa, porém simples.

      Em essência, o garoto(excepcional ator), em que pese a sua impotência diante das forças implacáveis da natureza, saiu do naufrágio maior do que entrou, transmutando realidade em estado de espírito.Concluí, se bem entendi , e concordo... que somos barcos à deriva, quase sempre sozinhos (ainda que bem ou mal acompanhados) e que, ao fim e ao cabo, quase tudo se resume a uma luta do indivíduo contra ele próprio. Temos a bela e a fera habitando-nos...saibamos, antes que seja tarde, a qual delas devemos dar mais atenção e/ou cuidados. Se o conteúdo filosófico não agradar... ainda que seja só imageticamente, vale a ida ao cinema, afinal, Vinícius sabia que beleza (aqui, indiscutível) é fundamental, né? (et moi aussi).
      Santé e axé!
      Marcos Lúcio

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  3. Fernanda,

    Vi o filme ontem e me emocionei com a historia.
    Lindo, delicado, de uma sutileza impar.... em mostrar a forca interior que todos nos temos, quando se trata de sobrevivencia .......bjo

    Gilda Bose

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  4. Fiquei maravilhado com a beleza visual e a forca metaforica do roteiro do filme. Voce conseguiu transmitir com palavras tudo que eu senti. Lindo post.

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  5. Lúcio:
    Que texto bem trabalhado sua amiga escreveu, uma análise maravilhosa do filme concorrente ao oscar.
    Transmita os meus elogios a ela, parabéns pelo texto.
    Um abraço
    Elson

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  6. Fernanda,

    Quando vi esse filme, lembrei de uma frase do Manoel de Barros: 90% do que eu escrevo é invenção, só 10% é mentira...
    O filme tb fala sobre a dualidade, sobre o Ego...fala sobre tudo, é uma parábola.
    E vc escreveu lindamente sobre ele.

    Bjs,
    Lu

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  7. Não consigo entender como nenhuma crítica ao filme "As aventuras de Pi" (aqui, não é o caso, a jornalista não é crítica de cinemam emmbora tenha feito uma análise excelente) cita que o livro do canadense em que foi baseado o filme é um plágio do livro do escritor brasileiro, recém-falecido, Moacyr Scliar chamado "Max e os Felinos".
    Esse plágio rendeu um grande escandalo na Europa e nos EUA, tanto que o canadense, teve que refazer o prefácio do livro, admitindo que o livro do brasileiro o "inspirou" .
    Uma pena que justamente no Brasil (terra do autor do livro) essa história seja quase desconhecida...
    Marco

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    Respostas
    1. Oi Marco, bem-vindo ao time dos comentaristas, espero que não seja a última vez que te vejo por aqui. Este seu comentário vai ser respondido num post, ok? Obrigada pela visita e volte sempre!

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