quarta-feira, 27 de março de 2013

Eterna


Há erosão, como veste, no meu rosto;

E o minguar do tempo nos cabelos.

Eu sou de um tempo de cabelos cor de milho,

De mãe sorrindo na janela;

E eu sorrio, aceno para ela,

E tenho infância e alegria entre os dedos.

(Fernanda Dannemann)

segunda-feira, 25 de março de 2013

Fui conhecer o Mar, mas me encantei foi com os funcionários públicos

Fui conhecer o Mar. Ou melhor, o Museu de Arte do Rio, que envolve os dois prédios tão diferentes da foto aí abaixo. E, assim como a minha amiga Renné, que dias atrás ficou pasma ao ver o tamanho da fila, a multidão lá dentro, e a cara satisfeita e curiosa de todo mundo, tive mais uma vez a certeza de que o povo gosta de arte e de cultura, mas devora a programação da TV porque esta é que é a nossa tradição. Este novo museu, cujo ingresso custa oito reais, é a comprovação de que, se houver oferta, haverá consumidor... inclusive para a produção cultural.

 
Dei uma volta pelos andares e acho que me diverti mais com o povo do que com as obras de arte. Todo mundo curtindo, todo mundo interessado, todo mundo ali... sem pressa de ir embora. Aquele ar de diversão me lembrou visitas feitas a museus do Primeiro Mundo, onde o povo vai em massa e curte o passeio de um jeito parecido ao que nós, brasileiros, estamos acostumados a curtir o shopping ou a Disney.

Recorro à Renée para traduzir melhor este encantamento: surpresa por ver gente de todo tipo e de todas as classes sociais ali misturadas, num mergulho democrático no universo nas artes, minha amiga chorou quando viu uma senhora já velhinha, amparada por uma moça, fazer o seguinte comentário:

-- Minha filha, parece uma coisa esquisita, mas quando a gente está com a cabeça cheia de problemas faz bem olhar um quadro destes. É como se desse uma pausa, e a gente descansa. É uma delícia.
Mas o mergulho artístico, para mim, não parou na Praça Mauá. Dali, segui para a Avenida Rio Branco, mais precisamente ao Centro Cultural do Supremo Tribunal Federal, onde nunca havia posto os pés.

Fui avisada por um amigo... é ali que rola atualmente uma exposição bem mais simples do que o acervo do MAR, mas que no entanto me agradou muitíssimo: fotos de funcionários públicos ao redor do mundo, tiradas por Jan Banning, um fotógrafo holandês que consegue, com suas lentes, mostrar o país inteiro em um clique de repartição pública. E mais: ele mostra o quanto os funcionários públicos são semelhantes, independente de sua origem. Parece que a imagem estereotipada da classe não é mito...

Pena que aquele prédio tão bonito por dentro, e que abriga uma exposição tão interessante quanto esta, não conte com nem mesmo uma gota do marketing e da divulgação que vem merecendo o MAR, lançado recentemente pelo governo atual. Estava praticamente vazio... e olha que a entrada é gratuita, hein?! Fico pensando em quantas preciosidades arquitetônicas e em quantas exposições encantadoras devem acontecer Rio de Janeiro e Brasil inteiro afora... sem que o público seja convidado, pelo marketing, a conhecê-las.

                                                                 India
Liberia

Bolívia
  
China
 
Rússia
 
EUA

Yemen
 
India
 
França
 
Yemen

quinta-feira, 21 de março de 2013

Aceite o bilhete vermelho

Então o pastor e deputado Marcos Feliciano acredita que lugar de mulher é dentro de casa, criando os filhos. Porque, segundo ele, se não for assim, "só tem a opção de não casar ou de ser gay, e em ambos os casos estará conduzindo o mundo a uma sociedade predominantemente homossexual, destruindo a família e pondo a humanidade em risco".

Parece discurso de algum lugar muito distante... onde o fundamentalismo é rei e a mulher é escrava do sistema. Mas não: estas ideias têm sido semeadas aqui mesmo, na nossa terra, e não me espanta que haja quem partilhe delas sem nem ao menos compreender seu real significado. É bom não esquecer, por exemplo, que estamos em um país onde a economia é fortemente movimentada por mulheres que trabalham e sustentam lares, sobretudo nas classes menos abastadas. E onde muitíssimas educam, sozinhas, os filhos abandonados pelos pais, que se mandaram e foram fazer mais filhos a serem abandonados por aí.
Historicamente a mulher vem sendo culpada por tudo que o macho considera negativo no mundo. Ela é culpada até de ser interessante aos olhos dele... enquanto o pobre, tadinho, é um poço de ingenuidade que cai na teia dela e, logo depois, em desgraça. Tudo culpa da ardilosa!
Não bastasse o peso de toda a responsabilidade que já carregamos sobre as costas por conta de mitos e dogmas religiosos,  agora vem gente dizer que a mulher emancipada é a semente da extinção da espécie porque alimenta a homossexualidade. Meu Deus do Céu... isso é que é demonizar geral!
Foi pensando nestas coisas que minha mente voou e lembrei de uma situação pela qual passei há muitos anos, em plena flor da juventude: estava eu numa rodinha de amigos quando todos eles, de conluio, se divertiram horrores com a minha cara de banana total quando li o cartãozinho vermelho que alguém deixou cair no meu colo, inesperadamente... e que dizia assim:
Sua presença não está agradando. Finge que vai cagar e dá o fora!
Choque absoluto!!!!!! Além da ofensa, tive que digerir a sugestão de ir... cagar!!! Mas como é que alguém me diz um absuuuuurdo destes? Aliás, dois absurdos destes?!
Tentei manter a pose, recuperar o fôlego e me recompor, fingir que nada havia ocorrido. Foi quando o povo todo caiu na gargalhada e eu relaxei: era só uma brincadeira, uuuuuufa! E eu acho graça até hoje, até já repassei o bilhete adiante, para outros amigos, e me esbaldei de rir!
Triste é que, na vida real, o cartão vermelho nem sempre é brincadeira... e a gente deveria, em defesa da dignidade, saber o hora de se retirar. Aceitar que, às vezes, não nos resta nada além de botar o galho dentro e sair de cena...
Veja este caso do deputado Feliciano, que se recusa a aceitar que não está agradando e que, mesmo eleito pelo partido, não é legitimado pelo povo na condição de presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Ao resistir cegamente em nome dos seus direitos, ele também desafia os princípios da democracia, já que ignora a vontade do eleitor e os direitos dele  de participação nos rumos do país. Muito provavelmente vai acabar cedendo às pressões, mas só depois de desgastar-se a si mesmo, aos outros e à sua imagem.
Seja onde for... na política, no barzinho, no escritório, em casa e até na cama, a gente tem que ter humildade para se colocar no lugar do outro e evitar sufocá-lo com a nossa presença. Quantos casamentos chegam ao ódio por causa da obrigação tácita que o casal dá a si mesmo de estar sempre junto? Quantas amizades perdem a graça devido a um ter que incluir o outro nas coisas, para evitar melindres? Quanta gente fica com o filme eternamente queimado porque se impõe?
Não se maltrate! Se não está agradando, defenda sua autoestima e saia com dignidade: finja que está com dor de barriga e dê no pé.



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Saber desistir é uma arte
 
 
 

terça-feira, 19 de março de 2013

A cobaia gastronômica

Está decidido! Vou aprender a cozinhar! Melhor dizendo: vou sair da meia-dúzia de três ou quatro pratos que sei fazer na cozinha, e variar o cardápio. Não é possível que uma mulher analisada, pós-graduada e intelectualizada como eu (como bem diz o Martinho, naquela música que me bota no meu devido lugar... ) continue a tomar surra do fogão!

Nunca me esqueço do dia em que  me meti a comprar uma linguiça de porco para o almoço e perguntei ao vendedor como é que fazia pra fritar a bicha. E ele, indignado, perguntou ao meu marido:
-- Como é que o sr. se casa com uma mulher que não sabe fritar linguiça?!
Alguns anos se passaram, eu aprendi muitas coisas... mas ainda não sei fritar linguiça nem fazer feijão. Meu marido não liga, meu ex-marido também não ligava. Lembro quando o "ex" disse que o meu waffle estava uma delícia e era idêntico à comidinha que a prima dele fazia, na infância, quando eles brincavam de casinha. Dia desses, peguei o "atual" na mentira, quando ele falou maravilhas do fettuccine que deu errado.
-- Se deu errado como é que pode estar uma delícia?!
-- É que você cozinha tão bem que até quando dá errado fica ótimo!
Mas olha: eu SEI que uma cozinheira de forno & fogão está escondida em algum lugar aqui dentro, misturada aos meus outros talentos! E agora cismei que vou dar um jeito de fazer esta cozinheira sair!
Pra começar a nova empreitada, tracei meu plano estratégico: comprei uns livros de culinária fácil, avisei minhas amigas que ia começar a ligar pedindo help, escolhi alguns pratos saudáveis pra aprender e contratei uma diarista nova. Espero que o leitor não me considere uma ardilosa maquiavélica, mas a ideia é que a pobrezinha seja minha cobaia gastronômica e, de quebra, me dê uns feedbacks. Preciso de uma crítica imparcial e sincera, que não tenha receios de ferir meus brios e acabar dormindo no sofá. E, obviamente, capaz de me prestar assessoria e salvar o almoço quando a situação sair de controle, mas de modo que sua benevolência não me deixe ainda mais humilhada. O cuidado extra, para não me inibir demais, foi contratar uma assistente gentil que dá risada da minha atuação com as panelas.
Mas hoje, eu confesso: fiquei com vergonha da comida e sugeri que ela pedisse uma quentinha no restaurante da esquina. Ela fez cerimônia, coitada, e minha culpa aumentou a ponto de eu lhe dar de presente um ovo frito. Sempre fui boa de ovo frito, coisa proibida aqui em casa por causa do colesterol e da sujeirada... a moça não sabe, mas aquele ovo, que também não deu lá muito certo, foi um gesto de tremenda gratidão da minha parte.
Ao final do almoço em que nós duas ficamos com fome, voltei a sugerir aquela quentinha. E ela, magrinha de dar dó, mostrou que é mesmo gentil:
-- Não tem problema não, dona Fernanda. Eu tô de regime.
 Tentei limpar minha barra e falei que ia fazer um bolo pra compensar. E ela, que não conhece meu talento de boleira, se defendeu como pôde, com a voz meio desesperada:
-- Melhor eu fazer um pudim!


                             Olha o quadro que o meu marido botou na parede da cozinha...


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Pra ser feliz, mulher não precisa ser Maravilha nem Bombril

 



 

quinta-feira, 14 de março de 2013

Invasão também é violência contra a mulher

Coisas de Brasil: no mesmo dia em que a presidente Dilma anuncia a “tolerância zero” para a violência contra a mulher, o edital para um concurso público para cargos de delegada, escrivã e investigadora na Bahia pede avaliação ginecológica e exames como colposcopia às candidatas. Para evitar os exames (mas só eles, porque da avaliação ninguém escapa) as moças terão que apresentar atestado de virgindade.

Volto à Brasília para repetir aqui as palavras da presidente Dilma:
“Ter tolerância zero significa combater todas as formas de violência, desde as mais abertas, como a violência doméstica e o estupro, até outras com conteúdos mais disfarçados, porém igualmente dolorosos e igualmente inadmissíveis, como a discriminação no trabalho, no salário, a educação discriminatória e, sobretudo, a baixa estima decorrente da violência”.
Mas sob que aspecto uma avaliação ginecológica e um atestado de virgindade seriam importantes em um concurso para delegada, escrivã e investigadora?  E já que tais questões em nada têm a ver com o exercício das funções do tal concurso, por que é que o edital enveredou por este caminho?
Se isto não é violência contra a mulher, invasão, desrespeito, discriminação e coação... então eu não sei mais o que é violência. É inadmissível que um edital para concurso público faça uma exigência desta natureza, e lamentável que as candidatas não tenham vindo a público para invalidá-lo, numa passeata com direito a bandeira, faixa e megafone. Que tipo de controle, vigilância ou interesses pode ter motivado um edital como este?
A liberdade permanece como luxo para muitas mulheres do mundo, incluídas as que vivem em países democráticos: o papel aceita tudo, da utopia ao absurdo, e não fica de fora aquele onde está escrita cada palavra da Constituição e aquele outro, o do dito edital.
É no cotidiano da sociedade que a liberdade se legitima, e, obviamente, no modo como esta sociedade se comporta. A aceitação de uma invasão deste nível traz à luz a fragilidade das conquistas femininas a respeito de sua autonomia e direitos. É através de situações como estas que a gente conhece a realidade de um país. E descobre que, lamentavelmente, podemos estar muito mais atrasados do seria de se supor.

quarta-feira, 13 de março de 2013

O Zé Ninguém no Brasil da falta extrema



 

Foi no blog Rio Acima que a fotografia, emoldurada pelas palavras “Sentado à beira do caminho”, me arrancou primeiro um riso, para depois capturar-me por inteiro.

Quem tem olhos para ver, então que veja o homem não apenas sentado à beira do caminho, mas à beira de tudo, num mundo que não é o nosso e onde o futuro não existe. Usa sapatos, veste uma camisa... a calça lembra o cotidiano de um executivo. Não é mendigo, ao menos não parece, assim de chofre, e é isto, é isto o que nos choca mais.
O homem livre de tudo e sem direitos, prisioneiro da falta e dos deveres; o cidadão brasileiro dos mais realistas e tristes ao expressar a carência essencial do “país do futuro”. Por abrigo, ele tem só o guarda-chuva. E por destino? Se não tem rumo, será que tem destino?
E nós, que só conhecemos de vista este Brasil da falta extrema, pois jamais padecemos dela... nós, acostumados aos andarilhos e aos mendigos como paisagem nos nossos dias, tanto quanto um poste de luz ou um banco de praça... nós somos estrangeiros dentro de casa, estranhos à tragédia da falta absoluta e que em nada nos comove ou fere.
Sentado ali, absorvido pelas cores da Guanabara, o personagem não nos desperta para a empatia porque não queremos jamais sentir as emoções como ele sente, nem ser como ele é. Ainda que seja (e incrivelmente!) humano como nós, que padecemos de fome ao fim do dia e de sede o dia inteiro neste verão sufocante, e de uma necessidade premente de fazer xixi, e de um desejo louco de ganhar um abraço à noite, e de uma vontade infantil de sentir alegria ou o simples alívio de um banho frio de manhã... e da necessidade de ser olhado e de ser visto, mas visto com o (impensável) respeito digno de pessoa, de gente, de ser alguma coisa que não um Zé Ninguém.
Mas as querências alheias não pertencem ao nosso mundo. Ao nosso mundo, só nós próprios pertencemos. E quem perdeu o bonde nesta viagem pela selva, que é a civilização humana, só pode mesmo é ficar sentado (e invisível)  ali à beira do caminho.

terça-feira, 12 de março de 2013

O Bicho Papão da velhice quer comer você

Engana-se quem pensa que Bicho Papão é coisa da infância. Ele aparece mesmo é na vida adulta... aí é que "são elas", como diz o povo que já chegou à minha idade, e sabe por quê? Porque a gente tem que começar a encarar o medo da velhice e da morte. Quer Bicho Papão mais papudo do que este?

Já vi vários filmes que tratam deste assunto, e em sua maioria resvalam no medo, na recusa, na rebeldia, no culto à juventude. Em quase todos, envelhecer é uma tragédia e ser velho é o fim e tudo: das possibilidades, do desejo, da alegria, da esperança e até da criatividade.

Ninguém aqui está dizendo que "dobrar o Cabo da Boa Esperança" é uma delícia. Claro que não é. Ser jovem e forte é um barato! E claro que a gente treme nas bases quando percebe que o corpo já não é o mesmo... que o tempo está passando, incansável, inexorável, indiferente à vaidade tão típica da juventude, quando a gente é forte, é lindo e poderoso, e de quebra ainda se vê como donos do mundo, afinal... somos imortais!
Está em cartaz mais uma história sobre o assunto, o filme "Amigos Inseparáveis", que não é grande coisa e não se salva nem mesmo pelo desempenho de Al Pacino, que desta vez não convenceu: acho que nem ele gostou do roteiro. Christopher Walken sim, está ótimo, mas o papo aqui é simplesmente o fato de que quase sempre os filmes sobre a Terceira Idade tropeçam na nostalgia (e caem!). Então pergunto: não dá pra envelhecer de outro jeito? Não é possível chegar à velhice e vivê-la sem sofrer como um prisioneiro da saudade?


"Elsa e Fred", comédia argentina de alguns anos atrás, e cuja foto está aí ao lado, caminha neste sentido ao mostrar a velhota que é cheia de vida até o fim e que decidiu viver apesar de ter envelhecido, já que não entrou numas de crer que estar vivo é coisa de gente jovem e com saúde. O filme bem poderia ser um drama, mas foi feito como comédia acho que justamente porque este personagem é quase irreal e só cabe em um roteiro de cinema se for pra fazer rir.
 
Deixemos de lado o blá-blá-blá da aposentadoria ruim, da incapacidade crônica que a nossa sociedade tem para lidar com os velhos e de que a saúde se fragiliza e eticétera e tal. Não é disso que estou falando, e sim de uma outra questão também  impactante: a questão individual e personalizada da velhice. Como é que eu, que já estou com 45 anos, vou conduzir a minha cabeça, os meu olhos, a minha percepção e o meu cotidiano em relação a este processo que já começou, e que é uma fase da minha vida?
Vou lutar contra? Vou entregar os pontos? Ou tentar enveredar por este caminho e descobri-lo sem medo, sem vergonha e sem preconceitos? Aberta ao que poderei ter de bom (afinal quem é que sabe do destino?).
Vou viver de saudade e sofrer por aquela pessoa que eu fui, e que já não sou mais? Ou me envolver cada vez mais com esta pessoa que eu sou, de modo a não perder o gosto pela vida? Vou acabar morrendo de medo de morrer ou vou encarar este temor e enfraquecê-lo?
Esta ideia de que a velhice é o começo do fim é uma mentira! O fim está sempre por perto de quem está vivo: de tão frágeis que somos, e de tão imponderável que é a existência, podemos morrer a qualquer momento. Em contrapartida, pessoas que se julgam (ou são julgadas) como pés-na-cova, com frequência vivem ainda por muitos anos e realizam muitas coisas... chegam até a enterrar filhos e netos, quem diria?
Não, talvez não seja bom o caminho do trio aí de baixo, que se rebela contra a natureza e não se aceita como gente que chegou "lá". Quem sabe o melhor seja viver as mudanças em vez de desejar  morrer por causa delas?


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Todo mundo é pé-na-cova

segunda-feira, 11 de março de 2013

Entrevista: Nelson Vieira e Coaching para quem precisa

"QUEM SÓ VISLUMBRA O LUCRO VIVE NUM MUNDO DE ESCASSEZ"

Para quem não sabe o que é “coaching”, Nelson Vieira explica: “É um processo de aceleração de resultados, que consiste em sair do estado atual para o estado desejado”. Psicólogo, palestrante, professor e (claro) “coach”, Nelson nasceu no Belém do Pará e tem uma longa trajetória no universo dos Recursos Humanos e do atendimento clínico, mas há alguns anos se apaixonou pela técnica do coaching e hoje viaja o país inteiro ministrando cursos e prestando atendimentos a pessoas e empresas. Veja a seguir o que ele tem a dizer sobre felicidade.



Em geral, o que as pessoas querem quando te procuram ?
Pessoas querem ser felizes. Isto é o que todo mundo tem de igual. Resta saber qual o sentido de felicidade para cada pessoa, porque é isso que muda... e é aí que está o grande poder do Coaching: chegar lá.

Existe algum fator comum à maioria das pessoas que não consegue alcançar seus objetivos ou, simplesmente, não consegue ser feliz?
As crenças, que nos limitam e nos impedem de usar todo o nosso potencial e atingirmos os melhores resultados. Você é o que você acredita, e muita gente acredita ser incapaz ou pouco merecedora: então consegue o pouco que acha que merece.

Quais os principais erros que a gente comete na busca da realização pessoal?
As pessoas têm medo de perceber que são muito mais poderosas do que elas mesmas podem imaginar. Temos um poder muito grande dentro de nós, mas a acomodação e a auto-sabotagem são frutos do medo de dar certo, porque dar certo exige mais responsabilidade e um pouco de risco. Até que ponto você está disposto a se arriscar? Existe uma cultura do medo no Brasil, onde as pessoas aprendem, desde pequenas, a não dar certo: os pais não têm paciência com os filhos, a escola não valoriza o talento, a sociedade é desigual. Nos países do Primeiro Mundo, o progresso se fez através da cultura do desenvolvimento, e não a partir da cultura da exploração. No Brasil, a exploração ainda existe e as pessoas estão sempre buscando levar vantagem umas sobre as outras... não é aqui que se diz que “o mundo é dos espertos”; “salve-se quem puder”; “farinha pouca, meu pirão primeiro”? Está na hora de quebrar estes paradigmas. As escolas deveriam dar aulas de empreendedorismo, finanças pessoais, planejamento estratégico pessoal... as crianças absorvem tudo isso! Precisamos dar responsabilidade às crianças, valorizar o seu talento através de um ensino com foco no talento. Isso ajudaria muito a ensinar sobre responsabilidade às novas gerações, porque a responsabilidade é o que o ser humano tem de mais essencial para que possa progredir na vida e na carreira, e ser mais assertivo em suas escolhas.

Dá pra ajudar uma pessoa que não acredita em si mesma?
Sim, desde que a pessoa se permita. O coach não pode querer mais que o cliente. O coaching ajuda a obter autoconfiança e a estabelecer os desafios na medida certa, para que a pessoa vá adquirindo segurança em si mesma ao mesmo tempo em que vai superando seus desafios.

A insatisfação, assim como o estresse, é o mal do século?
Olha, o que acontece a respeito da insatisfação é o seguinte: talvez as pessoas tenham perdido o sentido da verdadeira felicidade e não consigam entender muito bem que cada um é diferente do outro, e que todos poderíamos ser mais felizes se tivéssemos um nível de tolerância maior, sem julgamento. Porque o tempo todo nós julgamos e somos julgados, e isso dificulta muito a vida. Se você quer ser feliz, é preciso ter muito cuidado com as escolhas que faz a todo instante, porque o caminho mais curto para a infelicidade é dar um chute num valor que, para você, seja essencial.

Que conselho você dá a quem gostaria de promover uma grande mudança em sua vida?
Acredite em si mesmo, dê valor a si mesmo. Seja autêntico, não traia sua essência, perceba seus talentos, pare de querer ser quem você não é e de correr atrás do que não te acrescenta nada, não viva apenas para atender às exigências do meio. Ouça o seu talento e defina uma missão para a sua vida. Procure entender como o seu talento pode contribuir para o bem das pessoas e da sociedade, porque focar só no dinheiro o distanciará da verdadeira felicidade. Dinheiro é conseqüência do que fazemos por amor a nós mesmos, porque a profissão que dá mais dinheiro é aquela que você mais gosta e que você desempenhará como uma missão. Seja uma pessoa que abraça suas causas, e seu mundo será de abundância. Quem só vislumbra o lucro vive em um mundo de escassez.
 
Como correr atrás dos seus verdadeiros ideais se precisa correr atrás do almoço?
 
Prezado leitor, você conhece alguém no mundo civilizado que não precise ganhar dinheiro para sobreviver? Supondo que não, me arrisco inclusive a dizer que ganhar dinheiro APENAS para sobreviver não é suficiente: o ideal é ganhar dinheiro para REALIZAR SONHOS. Porém, o que defendo não é o lucro pelo lucro, não é fazer qualquer coisa a troco de uma suposta vantagem financeira, mas sim abraçar uma causa, definir um propósito e viver de acordo com seus valores pessoais. Afirmo que você pode sonhar e tornar seu sonho um objetivo, alinhar este objetivo aos seus critérios de valores aoperguntar-se: porque é importante ter isso? E trabalhar para conseguir ter o que deseja ou chegar onde quer. O que afirmo é que você pode GANHAR DINHEIRO e contribuir para que tenhamos uma sociedade mais digna, mais justa, mais humana e mais feliz! Isto é possível se você pensar no impacto das suas ações em relação não somente àqueles que mais ama, mas à sociedade de uma maneira geral. Perceba que não me refiro necessariamente a abraçar uma causa e se rebelar em relação a tudo e a todos. Falo de abraçar uma causa que o leve a contribuir com o meio em que vive através do seu empenho, dedicação e constante aprendizado no trabalho, procurando dar cada vez o seu melhor. O sucesso será uma consequência. Pode ser que você não se sinta suficientemente reconhecido hoje, mas se tiver firmeza de propósito e agir conforme seus valores pessoais, alguém o perceberá e o valorizará por isso. Perceba que a prosperidade é consequência de nossas ações no momento presente. Acredite, você não nasceu simplesmente para "correr atrás do almoço", você nasceu para fazer a diferença no mundo, você nasceu para ser muito mais do que imagina. Cabe a você despertar todo este potencial e utilizar os seus recursos canalizando energia para fazer o melhor que puder em cada área da sua vida. Seja próspero! Seja feliz!
 

sexta-feira, 8 de março de 2013

Chávez, o santo que o Vaticano não tem (e nem o Brasil)

Do Vaticano, Bento XVI mostrou ao mundo inteiro o que os menos apaixonados já sabiam: não há santos por ali. E então veio o horror...  o que há, ao que parece, é prostituição e pedofilia, e sabe-se lá mais o quê. Mas então, o presidente em exercício na Venezuela, Nicolás Maduro, vem a público dizer que o santo está em Caracas, ainda que morto. E morto porque, segundo Maduro, seu espírito é tão forte que o corpo não aguentou. Espírito este que agora “anda pelo universo distribuindo bênçãos de amor”.

Enquanto isso, lá em Brasília, o pastor evangélico Marco Feliciano mostra ao mundo como é que as coisas são aqui no Brasil, país onde o presidente eleito para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara pode dizer por aí que amor homossexual é podre e que negro tem ancestral maldito. Sem falar em seus pedidos de dízimo quando prega lá na igreja, e que o leitor pode ver de perto (para crer) no vídeo abaixo.

Dias atrás, foi a vez de o deputado bom-moço e cheio de votos, o galã Gabriel Chalita, aquele que já lançou mais de sessenta livros no estilo auto-ajuda, evolução espiritual e similares, cair do cavalo ao ser acusado de corrupção por um ex-assessor, da época em que ele era secretário de Educação de São Paulo. As denúncias respingaram até no lado literário de Chalita, acusado de ter uma equipe de ghost writers para ajudá-lo... o que não seria problema nenhum, mas que mesmo assim ele preferiu esconder.
E aí o mais novo herói brasileiro, o ministro Joaquim Barbosa, manda um jornalista chafurdar no lixo...
No meio de tudo isso, o goleiro Bruno, que dispõe de time de Minas Gerais interessado em seu passe, é condenado a 22 anos de prisão pelo crime bárbaro que deu cabo da modelo Eliza Samúdio, e poderá sair para o semiaberto em três anos.
É assim que o mundo gira e nada sai do lugar. Um circo para quem domina a mídia e sabe manipular a informação, um purgatório para o cidadão de um país corrupto, um inferno para os que são mortos ou vilipendiados, uma tristeza para os que não creem em santos dotados de poder econômico.
Enquanto o povo se desespera pelo mártir da ditadura venezuelana, a gente olha para a democracia do Brasil e se pergunta:
Democracia pra quem?


quarta-feira, 6 de março de 2013

O "Paradise" da Pinóquia

Pois desta vez foi a Pinóquia que apareceu pra ocupar o posto de diarista aqui em casa. A moça era ótima, chegava cedo, limpava tudo bem à beça, não bancava a tagarela, não faltava... era bom demais pra ser verdade, mas mesmo assim (ou talvez por isso) meu radar já estava com a língua de fora, de tanto apitar e acender todas as suas luzes. Alguma coisa não estava no lugar... mas fiz o que me convinha e tratei de ignorar minha intuição, mesmo pressentindo que aquele “Paradise” não ia muito longe.

A primeira mentira foi quando ela disse que era moça muito séria e não queria saber de homem. Fiquei olhando para ela, aos vinte e poucos anos mãe solteira de três filhos de pais diferentes, que terminava de calçar a sandalhona de salto para ir embora e, vestida com uma roupa colante e decotada, fazia caras e bocas de mulher braba ali na minha cozinha. Mas sabe? Se tem uma coisa que mulher não disfarça, é que gosta (e gosta muito)  de namorar. Taí uma mentira da pior espécie, a que é gratuita: se eu não perguntei, por que ela veio dar satisfação?
Dias depois falou da reunião matinal que sempre rola entre porteiros, diaristas e empregadas domésticas lá na portaria, quando a onda é meter o pau nas patroas. E vi a nota de esgar em sua voz quando ela contou, em tom de confidência:
-- As empregadas chamam as patroas de piranhas e contam tudo o que acontece na casa delas.
Êpa! Como é que é? Parti do princípio de que ela JAMAIS me chamaria de piranha e fiz a pergunta fundamental:
-- Você fala alguma coisa daqui de casa?
-- Nããããããoooo, imagiiiiiiiina...
Será que eu também fazia parte do bloco das piranhas? Será que minha casa estava em boca de Matildes?! Recusei-me a crer...
-- É CLARO que ela te chama de piranha – disse meu marido, e depois todas as amigas para quem contei o lance.
Do alto de sua sabedoria de décadas, minha tia entrou na conversa:
-- Nada é perfeito. Trocar de empregada é como trocar de marido, a gente só muda os defeitos.
Ok, ok, o jeito era fazer vista-grossa para os papos dela e seguir em frente. Se ela gostava de bancar a santa-do-pau-oco, o que é que eu tinha com isso? E se ela ficava de fofoca lá embaixo, quem era eu, pra me meter?  Ninguém. Era apenas a patroa que pagava o salário dela (e de quem ela falava mal), mas isto era um mero detalhe diante da perspectiva de ter que encarar todo o serviço doméstico, e logo agora, que eu já estava quase me acostumando de novo com a vida mansa. 

Nãããããão... eu não podia tomar a trágica decisão de demitir a diarista só porque ela falava mal de mim lá com a turma dela, e por causa de umas histórias rocambolescas que ela contava cada vez mais, de mentiras que se amontoavam pela casa como se fossem trouxas de roupa suja e pilhas de pratos usados... Se fosse pra demitir, haveria que ser por um motivo incontestável, daqueles com prova material! Um motivo indesculpável, inafiançável, indisfarçável, daqueles que eu não pudesse relevar nem varrer para debaixo do tapete.
Mas o problema da mentira é o seguinte: ela é sem-vergonha e se acha mais esperta que todo mundo; ela vai ficando cada vez mais cabeluda, crente que a pessoas são burras e caem em qualquer disparate. E foi assim que aconteceu: chegou o dia da festa, procurei por todas as gavetas aquela calcinha horrorosa de lycra, bege, enooooorme, ideal para vestidos justos e transparentes. E cadê?
Não apareceu, não teve jeito. Perguntada sobre o paradeiro da peça, a Pinóquia me saiu com esta:
-- Semana passada a senhora disse que a sua sogra vinha para uma visita no domingo. Será que não foi ela quem pegou?

segunda-feira, 4 de março de 2013

Tá rindo de quê?

Então as recentes pesquisas exclusivas feitas pelo jornal O Globo mostram que a felicidade mora no Rio e que o carioca é o mais alegre dos brasileiros, contente da vida, aliás, com os eventos esportivos marcados para 2014 e 2016. Diante disso, devo estar mesmo me metendo com a turma dos rabugentos, porque ando procurando alguém que se encaixe no perfil do “carioca feliz”, da dita pesquisa, e... tá russo de encontrar!

Mas os entrevistados foram ouvidos onde? Na praia de Ipanema? Só se for ... ou quem sabe em qualquer um dos cartões-postais que embelezam a matéria. Não há dúvidas de que o Rio sempre sai bem na foto... exceto naquelas que vão além do mito de "Cidade Maravilhosa" e que mostram a realidade do dia a dia deste povo tão feliz que é o carioca, segundo a tal pesquisa.
Duvido que tenham ouvido o depoimento de alguém que enfrenta o engarrafamento que cansou de ficar só em São Paulo e já virou lei por aqui. É só botar o pezinho pra fora da portaria do prédio e pronto: você está engarrafado. Já pensou levar, em média, duas horas entre sua casa e o trabalho? Na última sexta-feira, meu marido bateu o recorde e levou três horas para chegar em casa. É que ele não anda de helicóptero. Quem mandou não entrar para a vida pública?
Então o cantor Zeca Pagodinho virou símbolo da nossa alegria... um símbolo midiático escolhido a dedo para vender cerveja, vender show na praia, vender Domingão do Faustão. A minha alegria, pelo menos, não tem nada a ver com o Pagodinho. E a sua?

Segundo a pesquisa, a cidade é feliz por causa do próprio carioca (que, pelo visto, se acha o tal), do carnaval e do samba, das praias e do calor (mas só quem tem tempo e grana pra curtir a praia e pra comprar ar-refrigerado para casa e para o carro), das belezas naturais, do futebol e do Maracanã (que, quando funciona, tem ingresso caro), do alto astral, da malandragem (sem comentários...), da sensualidade, dos bares e dos shows (muitos na Praia de Copa, tirando a paz de quem paga impostos caríssimos para viver ali, mas quem é de longe adora, pelo visto).
Estes critérios me parecem, no mínimo, tendenciosos.
Será que foram ouvir alguém que tentasse atendimento em hospital público? Ou alguém que não pudesse pagar o ingresso do Maracanã? Ou que se espremesse, de pé, no transporte coletivo que também é caro? Ou que procurasse uma vaga para estacionar o carro? Ou que não fosse a favor das obras do metrô em Ipanema ou da Copa de 2014 e da Olimpíada em de 2016, e preferisse que o dinheiro investido para transformar o Rio dem "Cidade Olímpica" fosse aplicado na saúde pública? Na tal matéria, um taxista diz que a cidade está mais segura. Onde, se a gente é assaltado a pé ou de carro, a qualquer hora e em qualquer lugar?  
Gente, e o que dizer do incêndio no Leblon, área nobre da cidade e com o metro quadrado entre os mais caros do Rio de Janeiro, se não for o MAIS caro, e onde, segundo os moradores da área, não havia água nos hidrantes? E os bombeiros, que segundo as mesmas testemunhas, levaram mais de meia hora para chegar ao local e já encontraram o incêndio apagado por obra da natureza?
Bombeiros e CEDAE se defendem dizendo que não, não foi nada disso...  mas quem é que paga a conta desta tragédia? As vítimas que morreram ao tentar se salvar pulando da janela, e que pagaram com a vida.
Aí, por uma ironia digna de filme B, a Vieira Souto, bem pertinho dali, amanhece alagada por causa de um rompimento de tubulação da CEDAE! Seria cômico se não fosse trágico.
Este é o nosso Rio de Janeiro... e  eu só queria perguntar à turma dos felizes e contentes:
-- Tá rindo de quê?

domingo, 3 de março de 2013

"O amor é uma jornada"

O filme “As sessões” me fez lembrar de “Nascido a 4 de julho”, com Tom Cruise, e de “Meu pé esquerdo”, com Daniel Day-Lewis. Todos os três carregam a mesma espinha dorsal, ou seja, a deficiência física grave que limita o corpo, enquanto que a mente luta pela liberdade e pela expansão.

Talvez por serem, os três filmes, inspirados em histórias reais de personagens de carne e osso, o resultado tenha sido tão inspirador. Em “Nascido...”, Tom Cruise é o soldado que volta paraplégico da guerra do Vietnã e se transforma em ativista político. Em “Meu pé...”, Daniel Day-Lewis conta a vida de Christy Brown, o escritor e artista plástico portador de paralisia cerebral que consegue expressar-se e tornar-se reconhecido movimentando apenas o dito pé. Em “As sessões”, John Hawkes dá vida ao jornalista Mark O’Brien, que contraiu pólio na infância, só move a cabeça e necessita viver quase que todo o tempo dentro de uma máquina que o ajuda a respirar.
Pois então um dia este rapaz, de 38 anos, decide que quer perder a virgindade e experimentar o prazer que há no sexo. Contando com a amizade generosa de um padre sábio, com quem conversa livre de preconceitos e tabus, ele contrata uma terapeuta sexual para ajudá-lo.
É a partir daí que o filme, assim como os outros dois citados,  fala da conquista em um âmbito muito amplo: a conquista do medo e da autoestima, a conquista de si mesmo e dos preconceitos, a conquista do outro e da alegria da vida. Mas “As sessões” vai além ao abordar, também, o amor e a aceitação, o erotismo em seu estado mais puro.
Nossa sociedade tende a ver os deficientes como invisíveis. Pior: como vítimas que nada têm para oferecer. E é contra tudo isso que o filme fala, ao mostrar um homem de corpo extremamente debilitado, mas capaz, na mesma proporção, de enfrentar sua tragédia e de sair vencedor, o que faz dele um conquistador extremamente apaixonável e cativante; conquistador em essência, de si mesmo e de quem se dispuser a olhá-lo sem piedade.
Amor e sexo são, antes de qualquer coisa, sentimentos de natureza fina. Muitas vezes as pessoas se esquecem disso e "coisificam" seus relacionamentos amorosos, sem dar-se conta da raiz sutil que tem o desejo espiritual e carnal pelo outro: o desejo  simples e natural de estar com o outro pelo que ele é realmente, e não pelo que ele representa ou aparenta; não pela relação de "troca" que não raro se estabelece. O filme faz um resgate da maravilha da entrega total entre duas pessoas, do encontro genuíno e poderoso que transforma toda uma vida.
O filme ainda se supera ao falar de aceitação, em vários níveis: a aceitação do próprio corpo, da realidade, a aceitação do outro e de tudo o que a vida pode proporcionar. E é uma bela comprovação, sem pieguice, ao contrário, de que sempre temos algum poder sobre o destino... ainda que estejamos, literalmente, de pés e mãos amarrados. Como diz o padre, em determinado momento da história, "o amor é uma jornada". Ao que completo: o amor por nós mesmos e pelo outro também.

sábado, 2 de março de 2013

Sùplica

Corre, corre! Que a breve luz se apaga...

Minha alegria... onde caiu, que não a vejo?
Ferida mortalmente oculta a adaga

Que a tua mão, amor, cravou-lhe indócil

E fez da vida em mim só um lampejo.

 
Então repito: corre!

Foge pra longe, pra não ver-me fóssil,

Que já despontam os ossos sob a pele

 
E a escuridão, que toda em mim se insere,

Repete a todo instante:

 Morre!

(Fernanda Dannemann)