sexta-feira, 30 de agosto de 2013

"Chorar é tão normal quanto rir"


-- Não, não toca esta música porque eu tenho vontade de chorar.
Eu digo esta frase e, logo depois, me faço a pergunta: por que será que a gente sente tanta aversão a cair no choro de vez em quando?
Lembro da minha infância, quando eu não suportava ver minha mãe chorando. O motivo, um mistério pra mim nas poucas vezes em que a vi com lágrimas nos olhos, na verdade era assim mesmo que eu queria: um mistério. Eu tinha medo dos motivos, medo de conhecer aquela dor, e ansiava apenas que ela parasse de chorar porque eu não aguentava ver.
-- Mãe, por quê você está chorando?
Era mais uma súplica do que uma pergunta, e lembro de ela dizer simplesmente “Porque estou com vontade”, uma resposta que não me satisfez nem me acalmou. Então em uma outra vez ela arranjou resposta melhor:
-- Fernanda, chorar é tão normal quanto rir.
Anos depois descobri que chorar é mais do que isso, até. É tão necessário quanto comer, dormir ou fazer xixi; é fisiológico.
Então por quê que a gente sente medo do choro? Talvez porque, por baixo dele, esteja um sentimento tão fino como raiz, que a gente precisa quase ter alma de poeta pra entender... e ser livre pra chorar em paz.  Nem sei exatamente o nome deste sentimento, mas é algo como uma saudade absoluta, uma saudade total e que pode ser do que já passou ou até mesmo do que a gente jamais teve ou viveu. As saudades são assim, têm uma lógica própria e um funcionamento incompreensível a quem não presta atenção nelas.
Eu, como todo mundo, tenho aqui minhas canções proibidas, aquelas que me trazem o choro imediato e doloroso das saudades que já coleciono. Vejo passar pela lembrança dos meus olhos aquele jeito tão singular do meu pai, ao cantar Roberto Carlos para a minha mãe, ou o brilho azulado dos cabelos tão negros que ela tinha, ao sol da manhã lá em Minas. É isso a saudade que mais fere: coisas incrivelmente simples do cotidiano e que, um dia, acabam por doer no coração da gente como uma pontada quase letal, e simplesmente porque só existem agora no olhar aguado da falta.
Mas como é que eu não vou mais ouvir esta música? Como é que vou esconder as fotografias na gaveta e fugir até do meu próprio rosto no espelho, todas as manhãs, se o meu rosto, cada vez mais velho, se assemelha mais e mais à minha origem? Vejo meu pai, totalmente vivo, na acidez do meu humor; minha mãe ainda respira em cada célula do meu corpo. Pra fugir disso, só morrendo.
E enquanto vivo, como é que vou relegar meu tesouro maior, esta lembrança que dói, ao conforto do esquecimento, à covardia da memória, como fingindo que o passado e as minhas raízes ficaram lá atrás, em algum momento congelado no cofre da tristeza?
Viver assim, só pagando um preço maior, que é o de romper com a própria história e tirar dela as melhores partes, justamente aquelas que doem tanto porque valem muito. O alívio, neste caso, não vale o imposto cobrado. Nossos maiores tesouros são estes mesmo, estes guardados na veia mais escondidinha do coração, onde repousam as nossas maiores saudades.






quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Vergonha de ser brasileira

A recepção aos médicos cubanos que aqui chegaram, dispostos a trabalhar onde doutores brasileiros não quiseram (e continuam não querendo), foi tão deprimente que fiquei com vergonha. É, vergonha de ser brasileira.

Agredir os cubanos é tão baixo quanto desconsiderar a necessidade da qual padecem aqueles que dos cubanos andam necessitando. Quem sabe se os pobres e doentes do interior fizessem uma passeata e mostrassem ao vivo as cores do seu abandono, a classe raivosa entendesse melhor a situação e fosse fazer compras lá em Miami com o dinheiro ganho nos plantões de hospitais particulares?

Os shoppings estão cheios! Nunca se vendeu tanto celular! Engarrafamento, no Brasil, é sinal de "poder de compra". O povo está mais rico? NY é ali na esquina? Os carrões e as bolsas de marca estão dando cria nas capitais?

E a consciência, onde é que a gente adquire? Um pouquinho de educação também cairia bem... é por estas e outras que estrangeiros olham torto pra gente lá fora, quando percebem de onde é que saímos.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A multa da sujeira

Muito boa a ideia da prefeitura do Rio, de multar o cidadão que jogar lixo no chão. Os valores vão de R$ 157 a R$ 980 reais. O povo já está sendo multado.

Eu só gostaria de saber qual deveria ser a multa para casos como o de um governador que leva a família para passear em Angra dos Reis e vai de helicóptero oficial; do presidente da Câmara, que usa um avião da Força Aérea Brasileira pra levar a turma do Rio Grande do Norte pra ver o jogo da Seleção no Rio; da prefeitura e do governo do Rio, que ignoram a greve dos professores; do Flamengo não jogar mais no Rio, só em Brasília; do poder público permitir que voltem os tiroteios no Complexo do Alemão e de permitir também mais assaltos no asfalto por conta das UPPs nos morros da Zona Sul... e de haver mais de 90 mil desaparecidos no Rio desde 1991.

sábado, 24 de agosto de 2013

Candy crush e as guloseimas-zumbis

Quando eu era mocinha, lá nos idos das Minas Gerais, minha “mamã” sempre dizia pra tomar cuidado com as companhias e não andar com as “meninas fáceis”, aquelas que beijavam todos os rapazes e às vezes até iam além. Pra você ver como é a vida... nestes novos tempos da dieta e da reeducação alimentar, concluo que as más companhias que podem me levar para o mau caminho são as amigas gulosas, que não fazem regime e vivem me convidando pra almoçar. O problema é que estas são justamente as que eu gosto mais...

Mas o lance é que não há pratão no mundo que valha a alegria de caber nas suas roupas; de botar aquele vestido justo e ficar elegante... de ver as gordurinhas desaparecerem, como se tivessem pedido o divórcio. E um divórcio litigioso, porque não tem nem conversa!
Por falar em roupas, ando pensando seriamente em telefonar para as amigas para quem andei distribuindo peças do meu armário, no tempo do peso extra, e pedir tudo de volta. Sabe aquele vestido antiiiiiiigo que tinha virado peça de museu no meu armário, onde ficou por anos porque eu não tinha coragem de me desfazer dele, na veleidade de que um dia eu ia emagrecer pra usar de novo? Pois é: usei ontem!

E o que fazer com as peças que minha costureira alargou? Vou ter que diminuir tudo; mas minha sensatez me diz para esperar pra ver se as gordurinhas não são pródigas, iguais aos parentes daquela minha amiga que está doente.
O fato é este: a dieta deixa de ser um sofrimento quando a gente entende que o processo é mais ou menos como um joguinho de computador: basta pegar os macetes e “mecanizar” as ações e reações, que a gente começa a ganhar (neste caso, perder peso). Claro, está longe de ser divertido um jogo que se chama “Fazer Regime”, mas aí o negócio é apelar para a criatividade: eu, por exemplo, que nunca fui afeita a joguinhos eletrônicos, agora estou viciada em um tal de “Candy Crush”. Olha ele aí:



 
 
Outra medida importante é não dar mais as caras na cozinha nem no supermercado. E tem mais: tenho sempre uma banana na bolsa, para o caso de uma queda de pressão. De vez em quando dou uma cafungada na dita cuja, pra matar as saudades; aliás cheirar a comida é uma boa maneira de lidar com esta situação. Dia destes fui tomar um café e dei uma cheirada na trufa que veio junto. Cheirei, cheirei... e deixei a bichinha no prato. O pior mesmo é quando alguém aparece com um saco de biscoitos e oferece:

-- Vai um amanteigado?
-- Cruuuuzes, vade retro!
Tenho também carregado na bolsa uma caixinha com castanhas e polenguinhos. Confesso que quase esganei a amiga que aceitou comer duas amêndoas quando, por educação, ofereci.

E agora é assim: eu ofereço, e quando a pessoa diz "não, obrigada", eu respondo "obrigada você".

Não tenho passado fome, é bem verdade. Mas o que fazer com a vontade desesperada de comer doces? Como estou na área da Psicologia, já entendi tudinho: a gente tem que "recalcar", como disse o Freud. O problema é que o que a gente recalca sempre dá um jeito de voltar, em geral na forma de sonhos. No meu caso, na forma de pesadelos nos quais guloseimas-zumbis correm atrás de mim... e toca a fugir de bolos, brigadeiros, queijadinhas e pudins... que, na realidade, é o que tenho feito o dia inteiro.
Nas sessões de Psicanálise, meu principal assunto tem sido “será que um dia vou comer de novo um pão com manteiga ou um bolo de laranja recém-saído do forno?”. É um tremendo processo de luto!
Para preencher tamanha falta, o jeito é correr para o cheesecake diet, um tipo pelo qual sempre tive desprezo e, hoje, é a minha nova paixão, com quem tenho encontros fortuitos todas as tardes. Não vou contar pra  ninguém, é claro, mas o cheesecake tem sido o salvador da pátria, digo, da dieta. Sem ele seria impossível.
Mas a verdade é que nenhuma destas dificuldades é maior que a satisfação de subir na balança da minha amiga médica e ver que o sacrifício está funcionando, e muito, aliás! Ontem mesmo deixei escapar que ia sair do consultório diretamente para os braços do meu cheesecake... e minha amiga avisou logo:

-- Cuidado, hein? Quem perde rápido também ganha rápido!
E fiquei pensando que dieta é mesmo igual a joguinho de computador: quando a gente começa a ganhar, os níveis vão ficando cada vez mais difíceis... e voltar à estaca zero é uma enooooooorme probabilidade.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

"Velhos são os outros"

Veio parar nas minhas mãos um artigo que a Beth Faria escreveu para uma revista, sobre o fato de ter sido ridicularizada por ter ido à praia de biquíni. Achei uma mudança muito grande de paradigma que uma publicação feminina tenha dado voz à atriz para defender-se do preconceito viral das redes sociais à sua velhice. Afinal de contas, as revistas femininas são, essencialmente, a síntese do culto à beleza, à juventude e à aparência.

Felizmente as coisas estão mudando e até as jornalistas de moda e beleza começam a ver que a velhice vem para todos, o que não significa que a mulher, por estar velha, deva esconder-se em casa e, como bem disse a Beth Faria, “usar uma burca”.
Não sou a favor dos excessos. Shortinho, minissaia e afins já não caem bem nas senhoras mais velhas, entre as quais me incluo aos 45 anos. No entanto, acho maravilhosa a liberdade de escolha. Quer usar? Cada um sabe de si e estabelece seus limites e seu jeito de viver. Sentir vergonha do próprio corpo é um funesto resultado da manipulação da cultura de massas. Escravização e morte em vida.

A juventude é uma beleza, mas é aqui na chamada “meia-idade”, com as rugas que já tenho e com o corpo que já não é tão jovem nem tão bonito, que me descubro mulher no melhor sentido da palavra, e interessante como nunca antes. Mas esta certeza não caiu do céu: vem do trabalho de anos com a autoestima, através do qual aprendemos a gostar de quem somos.

As moças de 20 e de 30, na flor da juventude, são lindas de se ver, não há dúvida nenhuma. Mas a beleza da mulher que já passou dos 40, dos 60 e dos 80 também existe, e reside, inclusive, nas marcas que a história pessoal vai deixando sobre o corpo. Trata-se, no entanto, de uma beleza invisível a quem não enxerga um palmo à frente do nariz e é escravo dos preconceitos e das ideias pré-concebidas que o marketing capitalista nos empurra goela abaixo. É simples: para o mercado, os velhos só consomem planos de saúde, remédios e TV a cabo. Minha amiga velhinha sempre reclama, em seus aniversários, que acha um saco ganhar velas decorativas e sabonetes: isso não é sintomático?

Acho que o estigma que carimba a velhice na cultura ocidental nada mais é que o medo desesperado que temos de chegar lá. Se o velho é visto como feio, deformado, inútil, chato e além de tudo isso um fardo para a família e para a sociedade, é sinal de que a sabedoria, o amor, a gratidão e o respeito ao próximo estão mesmo em extinção neste mundo tecnológico e narcísico no qual mergulhamos cada vez mais fundo.
Talvez o medo generalizado, que tornou-se o grande signo da nossa sociedade, esteja por trás de tudo isso: medo da violência, da doença, da velocidade do tempo, da guerra nuclear. O medo inconsciente que temos da nossa própria finitude talvez seja a raiz do consumo desesperado, da febre do botox e do preenchimento, da banalização do sexo, do individualismo doentio, da curtição a qualquer preço e da ridicularização do outro.

O que leva alguém a rir e falar mal de uma mulher de 70 anos de biquíni na praia? O motivo pode ser, quem sabe, a certeza inconsciente de que “velhos são os outros”.  O que demonstra uma falta tão grande de fé no futuro, que chega a causar dó.




sábado, 17 de agosto de 2013

Meu reino por um café com leite!!!

Menos de um mês após a “volta ao mundo em 80 dias”, quero dizer, após a "maravilhosa viagem de férias", caiu a ficha: não é só com dinheiro que a gente pode se assustar, como contei  “procês” no post “Tira este porco daí”... a gente pode levar também um tremendo de um choque quando dá o braço a torcer e aceita a trágica realidade de que as roupas encolheram dentro do armário.

Ao fim de alguns dias, de papo com uma amiga médica (e especialista em emagrecimento), encarei o medão que estava de subir na balança. Olha, não vou nem te contar com detalhes como foi, basta dizer apenas que quase tive um faniquito.
-- Mas eu não como naaaaaaada!!!!!!!!!!
Até parece que a minha amiga caiu neste conto do vigário que eu há anos venho contando pra mim mesma; logo eu, que tenho estômago de avestruz, fome de leão e ainda por cima não resisto a uma sobremesa bem gorda a qualquer hora.

Este é o mal de ser magrinha por natureza: a gente se acostuma a cair dentro quando o papo é comida e não entende que os anos passam, que o metabolismo muda, que a idade pesa e que o corpo começa a pesar mais ainda... no meu caso, só o que não pesava, até este momento, era mesmo a consciência, e eu mandava brasa geral na comilança!

Tomei coragem:
-- Tá bom, já que o meu DNA me ajuda, vamos então fazer uma dietinha básica. Se a Carla Bruni faz, por que é que eu não posso fazer, né?
 Bastou ler a lista do sacrifício, digo, da dieta, pedi licença à minha amiga e tive uma crise de ansiedade. Olha, leitor: não estou exagerando: quase apelei para o meu melhor amigo, o Rivotril, quando, pra encurtar o papo de tudo o que não posso comer, fui logo ao cerne da questão:

-- O que é que eu posso, afinal?
-- Basicamente leite, iogurte light, feijão, ovo, alguns legumes, carne, queijo branco, chá e café. Gelatina diet e, no lanche, dez amêndoas, nozes e castanhas.
-- Dez de cada?
Ela ignorou a pergunta e lembrou, como se desse uma ótima notícia:
-- Ah, e pode também traçar um polenguinho. Mas sem o pão.
Tentei mais uma vez:
-- Pode barrinha de cereal?

-- Não pode cereal.
-- E um pouco de requeijão?

-- Requeijão com quê, criatura?! Não pode pão, nem bolo nem biscoito!!!

Não me fiz de rogada e fui para o supermercado, onde, já no caixa, tive vontade de chorar quando olhei o carrinho, que não estava magro, estava cadavérico! Mas sou mulher de fibra e não é do meu feitio desistir logo de cara. Desta feita, teve início o processo de convencimento de mim para mim mesma e a mudança radical nos hábitos não só alimentares, mas até no encontro com as amigas, quando minha conversa agora é do tipo “Qual o adoçante que você usa?” e “Onde é que a gente pode comprar o melhor pão sem glúten da cidade?”

E o que dizer dos momentos de desespero, quando bate o “Complexo de Esaú” e a gente quase troca não a primogenitura, mas o corpinho enxuto por um prato de macarrão (porque lentilha a dieta aprova, mas não tem graça)? Nesta hora a gente pensa que sangue de Jesus tem poder e recorre à lista de frases feitas e milagreiras: “Entrei para o time da Carla Bruni”. “A tudo a gente se acostuma nesta vida”. “Eu como para viver, não vivo para comer”. “Quem manda aqui? Meu cérebro ou meu estômago?”. “Esfomeada mas linda”. “Adoro brócolis!”. “Uau, estou louca pra comer um cheese-cake diet!”. “Comida gordurosa?! Eca!!!”. "Eu sou uma mulher ou uma rata?", e por aí vai...
Mas eis que foi chorando as pitangas com duas amigas, à mesa de uma cafeteria (sem bolo e com um vidrinho de adoçante que ganhei de presente do meu marido) que aconteceu o milagre: foi justamente na hora em que eu dizia que, pela primeira vez na vida, minha autoestima estava balançada por conta das gordurinhas extras, que o gatão de mais ou menos 28 anos, sentado à mesa ao lado, bancou o galanteador pra cima de “moi”...

Voltei pra casa feliz da vida, mas passadas duas horas, quando me fiz de surda aos roncos do meu estômago, e ele começou a tocar a campainha, a ligar pro meu celular e a berrar do lado de fora da porta da minha casa...  juro que me senti o próprio Ricardo III, de Sheakespeare, e pensei: “Meu reino por um café com leite!”

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Tátil

De voz, de coxas e outros objetos

Deixo inflar o pensamento,
E quando infla,

No meu querer estoura esta carência.


Tudo objeto de outra natureza

Que não material
(Palpável, dura, tão concreta)

Como o desejo em mim,

Que é propriedade tua:
Este querer com ponta fina de metal

Que fere tanto,

De tão carnal.


(Fernanda Dannemann)



segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Nossa Senhora Aparecida está branca na Cinelândia

Tive o privilégio de um encontro com Leonardo da Vinci, Michelangelo, Caravaggio e Bernini, gênios imortais das artes plásticas italianas, trazidos ao Brasilzão pela onda da Jornada Mundial da Juventude. Foi lá no Museu Nacional de Belas Artes, onde até dia 13 está a exposição “A herança do sagrado – obras-primas do Vaticano e de museus italianos”. Pena que não pude tomar um cafezinho, porque a cafeteria do dito museu... fechou! Mas como é que um museu como este não tem cafeteria nem lojinha?! Será por falta de público? Ou por falta de vontade política? Acho que vou organizar uma passeata na Cinelândia só pra reclamar.

Deixando de lado o café, que fui apreciar no museu vizinho, tive o prazer de conhecer Guercino, de quem jamais havia ouvido falar. E foi ele, Guercino, quem me tirou lágrimas dos olhos quando mirei a obra-prima “O filho pródigo”:



Em seguida entendi melhor a “Pietá” de Michelangelo, cujo original já tive a chance de observar de longe, lá no Vaticano, onde o público só pode chegar a alguns metros de distância, por razões de segurança. Aqui, pertinho dela, pude ver a maternidade em sua essência: Nossa Senhora é mais ou menos o dobro do tamanho de Jesus, talvez a simbologia de que, para as mães, os filhos são sempre pequeninos. Ele, embora morto, parece dormir em seu colo, enquanto que Ela transmite em seu rosto uma serenidade que só aqueles que não creem na morte são capazes de ter. Nossa Senhora é, afinal de contas, uma mulher de fé.




Gostaria de ter, na sala da minha casa, esta imagem tão doce de Nossa Senhora Aparecida, aí abaixo... embora não creia na explicação ao lado do quadro, que diz que a Dita Cuja era (provavelmente) branquinha da Silva  antes de ficar tanto tempo sob as águas... não sei de onde saiu esta explicação, mas nem me interessa (perdoem-me os cientistas e os estudiosos... será que ficou lívida diante do que tem visto no Rio de Janeiro?!).
Well... prefiro crer que a Aparecida tenha, como seu nome diz, “aparecido” milagrosamente na rede do pescador. E quer saber? Acho que quem acredita neste papo de “Aparecida branca” tem um pezinho no racismo e não crê em milagres. Mas em respeito à licença poética, rendo-me à beleza da pintura na qual Nossa Senhora, seja preta ou branca, reina absoluta como mãe de gente de todas as cores e de todas as procedências, neste grande milagre que é a vida humana.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Frase do dia


“Quem não tem tempo para sofrer não tem tempo para se recuperar”

                                                                 (William Shakespeare)

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O parente pródigo

Minha amiga chegou aos 87 anos sem ter visto, por muitas primaveras e muitos carnavais, alguns dos seus parentes mais próximos e queridos. Anos sem um telefonema... que dirá uma visita, ainda que breve. Embora não se queixasse nem mesmo de saudades, eu a conheço muito bem para saber da tristeza que derivava daí.

Mas eis que de repente os tais parentes começam a aparecer e ainda trazem os filhos, as flores, as caixas de doces e os pedidos de perdão. A isto explica-se: minha amiga está no fim, o que me faz crer que a volta do parente pródigo é mais motivada pelo amor a si mesmo do que pelo amor ao outro. É o medo da culpa futura, do arrependimento, da dor que emana do egoísmo.
Imagino que diante de tais aparições ao pé de sua cama, minha amiga possa então ter a real noção de seu estado, o que certamente lhe aumenta a angústia pelo medo de morrer. O fim da linha deve ser um lugar de muita solidão.

Os fantasmas de carne, osso e olhos cheios de lágrimas suplicam absolvição por seus pecados e, com isto, lhe acenam com a verdade duríssima da morte próxima. O conforto pela visita, neste caso, pertence ao visitante.
A doença, assim como o dinheiro, é como uma lente de aumento sobre as pessoas; mostra o espírito tal como é, seja do próprio enfermo, seja dos que lhe cercam (ou deveriam) nos momentos de luta e também nos derradeiros. A doença traz à tona nossa estatura espiritual, mostra de qual substância é feito nosso coração, joga luz sobre nossa coragem, nosso desprendimento e nossa fé. Nossa fé no futuro, ainda que ele não exista, ou nossa capacidade para encontrar um sentido para tudo, ainda que seja difícil enxergá-lo ou compreendê-lo.

Mas a doença nos mostra também o medo, a fuga, o apego, o vazio que vai no fundo da nossa alma... e que fazem desta experiência um pesadelo.
Haverá salvação?

Na extremidade oposta da linha do tempo, nossa outra amiga, tão jovem em seus trinta anos, faz filosofia com as palavras de certa celebração: “Na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença...” não têm a ver com o casamento, segundo a moça inteligente, mas com o amor em sua forma maior. E não é que ela tem mesmo razão? O amor, quando existe, não escolhe hora nem lugar; não elege situação ou circunstância. Ele simplesmente bate forte no coração da gente, sendo impossível de conter. Como diz um terceiro amigo, “quem ama quer estar junto”, e concluo que se isto vale para o momento do fim, deveria valer também para uma vida inteira.
 
 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

"Tira este porco daí!"

Reza a lenda, lá nas bandas das Gerais, que um espertalhão resolveu afanar o porco do vizinho. Pego em flagrante por toda a vizinhança enquanto corria e carregava o leitão nas costas, viu-se por fim acuado em um beco sem saída. Diante do povo que o queria linchar, ele fez cara de espanto e perguntou por que é que, afinal de contas, o perseguiam. “Por causa do porco que você está roubando!”, respondeu a pequena multidão que se formara. E ele então fez cara de surpresa:

-- Porco?! Que porco?!
-- Este que está nas suas costas!
Para limpar sua barra, o caipira fez que levou um tremendo susto, bateu no ombro como se espantasse uma barata e gritou logo:

-- Credo! Tira este bicho daí!!!
Ok... todo este preâmbulo para dizer que, findas as férias, cantei aquela música que diz que “o show já terminou, vamos voltar à realidade” e tratei de ir ao banco pagar a conta de luz. Sou aquele tipo de correntista controlada, que sempre tem os movimentos da conta e o saldo aproximado na cabeça... mas sabe como é... embora não pareça, a palavra “férias” rima com “gastos”, e aí tudo pode acontecer. Vai que a gente entra na onda da moeda estrangeira e gasta mais do que pretendia? Ninguém está livre de pirar na batatinha de vez em quando.

E foi assim que quase tive um treco no caixa eletrônico, quando meu marido (também conhecido como “Setor Financeiro” da empresa que é o nosso casamento) ligou pra mim (também conhecida como “Setor Administrativo”) e perguntou se o depósito feito para pagar o cartão de crédito havia entrado na conta.
Saca o desenho do Tom & Jerry, quando o Tom leva um susto e os olhos dele saltam das órbitas? Foi mais ou menos o que aconteceu comigo quando vi que o depósito havia entrado e saído imediatamente, para cobrir um super rombo feito anteriormente...

Minha primeira reação foi a negação.
-- QUÉDE O MEU DINHEIRO???????

Recorri à moça do balcão de atendimento e ela me sugeriu conferir direitinho o extrato, porque sabe como é... o computador do banco não erra. Errar é humano.
Tá bom, eu erro. E minha matemática nunca foi grandes coisas, mas olha... errar assim eu nunca tinha errado antes! E o que é que o Setor Administrativo ia dizer ao Financeiro?!

Sentei, tomei cafezinho, respirei. Li e reli o extrato. Procurei o gasto tresloucado e não encontrei. Mas então veio o pensamento terrível, trágico, horroroso e que não aceita argumentos: o banco não erra! E foi exatamente assim que eu me peguei na mesma situação do caipira lá de cima, (aquele que roubou o porco)... pensei no buraco na conta e fui logo dizendo pra mim mesma:
-- Como é que gastei o dinheiro e fiz um rombo financeiro deste tamanho?! Não sei, não sei...

E minha vontade era gritar:
-- Tira este porco daí!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Os pensamentos pipocavam em minha cabeça. E você sabe como é... a “inteligência” do computador do banco se juntou ao fato de que eu não sou lá TÃO “Santa Econômica”  assim... e o resultado é que em poucos minutos eu já suava em bicas pensando que o Setor Financeiro ia mesmo era me matar! Como é que a gente vai discutir com o computador do banco?
Humilhada pela irresponsabilidade de um gasto exorbitante, e sem saber em quê, procurei a gerente, atrás de uma aula para aprender a ler aquele extrato.

A moça de terninho e salto alto me recebeu cheia de autoridade, e antes mesmo de olhar o extrato amassado que eu tinha nas mãos, afirmou que eu estava confusa com as contas. Mas ficou muda de repente, enquanto eu tentava dominar a confusão mental para descobrir ONDE, QUANDO, COMO E POR QUÊ eu havia torrado aquele dinheiro.
Senti como se uma família inteira de porcos fosse tirada de cima das minhas costas no exato instante em que ela sorriu, cheia de dentes, e disse que providenciaria o estorno para o mesmo dia:

-- Houve uma cobrança indevida na sua conta...
Lá fora, aquela manhã de inverno ficou tão leve sem o porco nas minhas costas, que eu precisava comemorar. E corri para o shopping mais próximo, é claro!