domingo, 3 de maio de 2015

Entrevista: Monica Dias (e o amor no divã)

Psicóloga há 26 anos, Monica Dias trabalha com terapia de casal há mais de 20. Começou com crianças e aos poucos percebeu a necessidade de ampliar sua escuta às famílias e aos casais. Outro incentivo foram as queixas, bem frequentes no consultório, relacionadas ao casamento ou aos relacionamentos amorosos.  "Acho muito gratificante o trabalho com casais, embora seja bastante difícil", diz ela, "devido ao medo que as pessoas têm".

No entanto, a especialista em relacionamento é categórica:  “É importante buscar ajuda no momento certo para que se possa trabalhar a mudança; quando o casal demora a procurar a terapia, muitas vezes a relação já está muito desgastada, e aí não se pode fazer muita coisa...”



As pessoas temem fazer terapia de casal?
O medo existe sim, porque as pessoas não conhecem muito bem esse tipo de trabalho, não sabem que a terapia de casal é a terapia da relação, e não dos indivíduos, que é uma construção de novos padrões interacionais. O inicio do processo terapêutico pode ser um pouco complicado porque o casal tem que aprender a trabalhar em conjunto, não é só a fala de um, mas também ouvir o outro, que está ali e pode se manifestar. Mas é importante buscar ajuda no momento certo para que se possa trabalhar a mudança relacional. Quando o casal demora a procurar a terapia, muitas vezes a relação já está muito desgastada, e aí não se pode fazer muita coisa...”

Você ouve muitas queixas relacionadas à dificuldade de encontrar ou manter um amor?  
A dificuldade de manter relacionamentos estáveis tem sido uma queixa recorrente no consultório sim. As mulheres verbalizam mais essa queixa, mas os homens também estão sofrendo com isso, embora essa insatisfação, no caso dos homens, apareça de uma forma mais velada porque eles não colocam o relacionamento amoroso no centro de suas vidas, como as mulheres fazem. Mulheres e homens têm se queixado quanto à falta de comprometimento no relacionamento. O que percebo é que, atualmente, existe uma dificuldade de lidar no relacionamento a dois com as demandas da individualidade e da conjugalidade.


Você acredita que esteja mesmo difícil encontrar um par amoroso?
A dificuldade de encontrar um par amoroso está ligada, basicamente, a como compatibilizar os projetos individuais e aqueles construídos conjuntamente. Porém acho que as dificuldades são diferentes em cada etapa do ciclo de vida e o fato de ter tido ou não algum relacionamento anterior mais estável também influencia isso. Então, acho que não devemos generalizar essa "dificuldade para encontrar o par amoroso". Os jovens, certamente, estão menos preparados para os desafios e renúncias de um relacionamento estável e são mais sensíveis aos apelos de uma variedade de opções disponíveis. Em relação às pessoas mais "maduras" temos algumas dificuldades maiores pelo fato de terem menos tempo disponível para as trocas sociais, alguma experiência anterior que pode gerar maior precaução no envolvimento afetivo, e compromissos profissionais e familiares, o que também, pode dificultar a tolerância ao ritmo do outro.
Vivemos em uma sociedade com valores individualistas-igualitários, o que pressiona as pessoas a buscarem a sua realização pessoal e a transitarem por diferentes universos culturais, o que exigiria uma maior tolerância às diferenças, o que, sabemos, não ocorre com frequência...

 Você acredita que o Facebook piorou esta situação?
O Facebook introduz um novo modo de subjetividade e as pessoas ainda estão construindo formas de lidar com essa nova modalidade de interação. Muitos mal-entendidos no Facebook têm a ver com a dificuldade de diferenciar público e privado, e com uma demanda por um imediatismo de resposta que as relações não têm. O ritmo das relações não pode ser só o “meu”, é necessário perceber que o outro tem um ritmo diferente. E nas facilidades das redes sociais, esta dificuldade aparece de uma forma mais intensa... 

Por que as relações amorosas tornaram-se tão superficiais se, ao mesmo tempo, as pessoas querem amar e ser amadas?
As relações são superficiais quando não se constrói vínculos, quando se idealiza o outro ou a relação. Quando as pessoas se relacionam com um modelo ideal, não conseguem se abrir para as possibilidades reais daquela interação. As pessoas deveriam estar mais focadas na necessidade que todos temos de construir vínculos e pertencimentos, e menos em achar o par ideal.
 O que as pessoas hoje em dia esperam de um relacionamento amoroso?
Esperam demais... hoje em dia o relacionamento amoroso está muito idealizado. As pessoas esperam ter um relacionamento pleno de satisfações afetivas, sexuais, intelectuais... não têm tolerância para as diferenças e nem para as mudanças do ciclo de vida. Por isso troca-se tanto de parceiro. O compromisso com a relação é somente enquanto esta pode proporcionar as satisfações esperadas...

 Você acha que a liberação feminina é um fator determinante para o desencontro amoroso? Ou o contrário, ela contribui para a felicidade conjugal?
Não acho que a liberação feminina seja a causa determinante dessas dificuldades, mas certamente a busca da mulher por maior autonomia e satisfação abalou os pilares do modelo de relação no qual a submissão da mulher era pressuposta. Alguns homens se ressentem disso, mas outros já estão percebendo que relações mais igualitárias são mais satisfatórias, embora dêem mais trabalho para serem construídas, porque precisam abrir mais espaço para as negociações.

 Você enxerga a banalização do sexo como uma possível raiz dessa situação?
A banalização do sexo é um mito. As pessoas buscam a satisfação no sexo  porque isso é mais fácil, o próprio organismo ajuda. O desejo demanda novidades, o que é mais difícil de se obter em um relacionamento estável. Existem sexos e sexos... O sexo pode ser uma experiência corporal ou emocional, pode ser uma experiência individual ou compartilhada...

O que você diria a quem deseja encontrar um amor verdadeiro?
Que o amor verdadeiro é uma construção, que ele demanda tolerância e persistência. Às vezes, para se construir um amor verdadeiro, é necessário ter vivido amores não tão verdadeiros... Cada amor vivido nos fortalece, mesmo que a experiência não tenha sido a que esperamos. É necessário saber a hora de apostar e a hora de abandonar uma história de amor.