sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O arrependimento é um fruto amargo

-- Mãe, me leva na pracinha?

-- A mamãe tá cansada, filha...

Um dia a Michele cresceu. Nunca mais pediu pra ir à pracinha. E a Lucy, mãe dela, começou a sofrer a dor aguda e irreversível do arrependimento, principalmente porque o tempo havia passado e não era possível voltar atrás, mudar as coisas, levar a Michele à pracinha, afinal.

Não há remédio que cure esta dor que a Lucy sente: nem mesmo todas as lembranças do quanto sua vida era dura; nem todas as certezas de que não foi por descaso ou desamor; nem todos os perdões generosamente dados pela Michele, que acha até graça em tanta culpa... nada liberta o coração arrependido da Lucy.

Eu sinto esta pontada de dor quando minha mãe passa, diante dos meus olhos, subindo a rua de casa carregando as sacolas pesadas do supermercado. Eu a vi, mas não a ajudei. Preferi continuar de papo furado com a turminha... ou quando revejo meus sobrinhos em sua infância, e penso em todas as oportunidades que perdi de dar-lhes banho, de brincar com eles, de beijar mais aquelas bochechas gordinhas. Eles cresceram junto com a Michele, e eu sofro junto com a Lucy.

Meu pai me contou, uma vez, sobre um perdão que deixou de conceder, e que nunca mais pôde conceder, porque a pessoa que pedia absolvição morreu subitamente, deixando-o com este lamento que já dura mais de trinta anos, e que o incomoda tanto quanto uma queimadura recente.

Sei de tantas situações desta mesma natureza, que não entendo o porquê de continuarmos resvalando no mesmo erro, como se nosso egoísmo fosse uma areia movediça puxando-nos para o fundo, para a escuridão, para onde não há saída: só o arrependimento.

Talvez a raiz desta “árvore do arrependimento” __que, acredito, todos nós trazemos plantada em nosso jardim interno__ seja a ilusão de que sempre teremos oportunidade para agradar as pessoas, para aprender mais sobre a gentileza e sobre a generosidade.

Sendo assim, “da próxima vez eu carrego as sacolas pesadas do supermercado para a minha mãe, porque agora estou ocupada”.

Ilusão.

Não tive outra oportunidade.

Da minha preguiça, descaso, ilusão, egoísmo ou que quer que tenha sido, só sobrou mesmo esta árvore, cujos frutos amargos serei forçada a comer pelo resto da vida.

A Lucy não pode nem ver um balanço, porque o coração dela dói

3 comentários:

  1. O bom é estarmos juntos, com conceito de família... buscapé. O bom de lembrar, é ter o que lembrar e sorrir das trapalhadas maravilhosas. A Jandira uma vez fazendo bolo, botou água com sabão num copo, que ficou a espera de um de nós. Parecia água de coco. O resultado é que a Jandira hoje, fala da minha avó (Oma), com tanto carinho e devoção, que tudo acaba em olhos ardidos. A Jandira iniciou a Oma no pervertido jogo do bicho e as duas, faziam cochichos intrigantes sobre os resultados. Tudo saudades! Por isto, hoje cuido da minha tia com todo carinho possível.

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  2. A vida é um fruto, quem sabe! Como todo fruto, às vezes está amargo. Sempre penso quais serão os erros que cometerei amanhã. Interessante sentimento. Quase me distraio. Não cheguei a conclusão nenhuma sobre o porquê das nossas insatisfações e arrependimentos pessoais. Acho que no meu caso, posso me orgulhar de 60% de sucessos e só 40% de fracassos monumentais. Posso me orgulhar com grande pesar de não mais conversar muito bem com o meu pai, de ter sido incapaz de evitar minha primeira separação, de não ter conseguido me estabelecer, de não conseguir em nenhum momento, de um tempo para cá, olhar nos olhos dos meus quatro filhos, e lhes passar um sentimento de esperança e de crença no homem; também posso me orgulhar plenamente de ter mentido muitas vezes, egoisticamente, para minha atual companheira, em uma fantástica valsa de insinuações e mágoas mutuamente disparadas. Sim, ia me esquecendo que apesar de todas as minhas capacidades adaptativas camaleônicas, não consegui mais acreditar em Cristo, apesar dos insistentes esforços da minha mãe e do Talmage, em seu magnífico tributo ao Filho de Deus, Jesus, o Cristo! Mas, nem tudo são fracassos. Um grande sucesso é minha nova filha que chega em Outubro. Mais gente boa chegando por aí! Talvez, ela, um dia, faça um blog e tente debater conceitos que deveriam ser mais expostos para as pessoas melhorarem no mundo. Mundo cada vez mais em franca decadência. Degradado por tênues distorções da realidade, dia a dia. Chamar-se-á L. Luísa. O éle é segredo ;-). É vida...

    Maxwell Melo, 11:46h, em 21/08/2011.

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  3. Caro Maxwell... parabéns pela chegada da L. Luisa. Costumo dizer que uma criança é sempre uma benção em nossa vida. Quanto às nossas "capacidades adaptativas camaleônicas, o melhor é que podem nos conduzir a uma vida mais leve e feliz. Enquanto estamos vivos (e conscientes) temos a chance de buscar a absolvição. Um abraço e felicidades!

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