quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Muitas possibilidades brotam de uma única perda

Nunca me esqueci da perplexidade da Paula Peres, minha amiga preferida na infância:

-- Mas como é que pode, ter tirado 2,5 na prova e estar assim, tão tranqüila?!

E eu, aos onze anos, dei de ombros enquanto mandava brasa no pão-doce de canela e côco que comíamos todos os dias, na saída da escola.

No fundo, estava enganada, a Paula Peres, que não percebeu minha angústia pela nota baixa. Uma angústia que eu mesma rejeitava, por entender que não me ajudaria a desvendar os mistérios da matemática. Eu estava diante de um problema difícil, mas sabia que chorar pelo leite derramado não me ajudaria em nada.

Justamente por eu não ser capaz de aprender aquelas equações sozinha, e por passar pelo dissabor de uma nota tão baixa e um castigo sentenciado por meu pai, minha mãe me arranjou uma professora particular, a Ângela, que me ensinou o quanto os números podem ser divertidos. Resultado: aprendi de verdade e, por isso, passei a tirar dez nas provas. O que pareceu terrível, num primeiro momento, revelou-se oportunidade.

Mas a lição mais importante eu ponho em prática até hoje: diante de qualquer experiência mal-sucedida, vasculho todos os cantos da situação em busca dos ganhos... que sempre existem, mesmo que eu não consiga vê-los de imediato. Os ganhos estão ali, e quanto mais abrimos os olhos para a vastidão que pode ser a vida, maiores são as novas possibilidades, que brotam, como flores, de um único pé de perda.

O segredo está no fato de que as aparências enganam, e nem sempre a vida é o que parece. Nem sempre, por exemplo, uma perda é uma perda. Aquela mulher que não te ama e vai embora não é uma perda. Aquele emprego que não te realiza e um dia vira um bilhete azul sobre a mesa não é uma perda. Aquele amigo que trai sua confiança... aquele dinheiro que virou fumaça no divórcio litigioso e que por tanto tempo te aprisionou em um casamento infeliz... aquela promoção que não saiu e que dobraria seu salário, mas faria de você um escravo...

Note que a vida é muito mais do que podemos perceber, em um primeiro momento. É preciso cuidado com as deduções que fazemos e com as decisões que tomamos, porque a realidade é muito maior do que nossos olhos alcançam e nossas emoções nos permitem ver.

A verdade tem sempre muitos lados, a realidade tem muitos ângulos, a vida tem muitas possibilidades... e nós temos só dois olhos para ver e um coração para decifrar tudo isso.



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8 comentários:


  1. Irretocável, assino embaixo queriDannemann...mas adoooro dar meus singelos pitacos ...se o que abunda não prejudica, então que viva a adundância!!! rsrs.

    Como a vida constitui-se mais fortemente de impermanência , imprevisibilidade e efemeridade, nada estará pronto e perfeito ou extamente da maneira como imaginamos, jamais e para ninguém.Limites e defeitos, se formos humanos, todos teremos, sem exceções.A vida tem vida e inteligência próprias que nos forçam a abandonar o antigo a fim de renascermos para outra(s) realidade(s)...ou então adoecemos por não aceitar os imperativos da natureza.Tudo muda e passa, o tempo tooooooodo . Mas quando a vida nos atira em nova condição/contingência...também dá-nos recursos para sobrevivermos.

    Temos de aceitar e dar espaço para o pesar, para o alívio, para a festa, para a angústia, para a alegria, para a perda, para o ganho, etc., naturalmente potencializando o que consideramos bom e agradável e tentando mitigar o que nos causa desconforto.

    Açguns felizardos conseguem _ sabedores de que perder é natural e de que nos venenos contêm os antídotos, tais como o mitológico Quíron, cuja própria ferida lhe dava o dom da cura_ essa gente especial e sábia, são os curadores ainda que feridos.

    É o tal de levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima...levantar oito vezes se caiu sete...POIS SABER VIVER É UM ETERNO PROCESSO DE SUPERAÇÃO, de transvaloração, de transcendência, na práxis...de nada adianta saber se não praticar, "marrelógico".

    O que não podemos em hipótese alguma é nos determos em passado ou situação ou pessoa...que não traz aprendizado ou ganho nem material, nem espiritual. Sempre temos de saber o que ganharemos e onde poderemos chegar com nossos pensamentos e atos,tentando, prudente e corajosamente, medir as prováveis e as inevitáveis consequências.

    Os felizardos sabem que depois dos quarentinha, a responsabilidade e as rédeas da vida estão nas suas mãos e só Deus ou as forças da natureza podem tirá-las e, mais ainda...que não importa, sartreanamente, o que fizeram de nós, mas, sim, o que faremos daquilo que fizeram de nós (sempre precisa ser lembrado).
    Santé e axé!!!
    Marcos Lúcio



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    1. Tá vendo, EstiMarcos, é por isso que os seus pitacos são sempre mui bem-vindos...

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    2. Muito bom menina Fernanda! Eu lia suas cronicas no JB depois a perdi e agora a reencontrei Alma Lavada, e como tem opção de curtir no FB tenho compartilhado lá. Lembro-me muito de você, suas irmãs, irmão e de seus pais. Abraço bem forte de alguem que também nasceu e viveu a infancia e juventude na terrinha pequenina e querida das Minas Gerais.

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    3. Querida Graça, obrigada pela visita e pelas palavras! Volte sempre ao blog, e sempre bom encontrar os amigos aqui. Eu não tenho facebook, então nem sei como o blog anda por lá. Bom saber que os leitores fazem a divulgação por lá. Estou te esperando então, e quando quiser comentar, comente! As pessoas sentem inibição, sei lá por que... Abraços!

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  2. "Adorrei" seu post, pra variar. Bastaria dizer: nada acrescentar... Parabéns!!!

    Mas vou colocar um grãozinho de areia colorida nesta sua formosa praia de palavras sábias, somente como exercício de neuróbica.

    Entendo que a vida tem vida própria e é inútil tentarmos controlá-la . Ela ri de nós quando supomos ou, pior, quando queremos que seja do jeito que pensamos deveria ser. A vida não é ideal pra ninguém...alguns conseguem no máximo, com aceitação radical, traçar o que vier de bom e ruim, com muita humildade. Não sou Baby do Brasil, mas o que vier eu traço kkk.

    Se não podemos parar a chuva ou mudar o curso do rio...então temos de baixar a bola e pedir a Deus força e coragem pra enfrentar os dasafios e aprender a superar os problemas que existem pra todos, de diferentes modos e percepções, pois todos somos diferentes, portanto iguais na eterna diversidade.

    A arte de viver consiste na arte de aprender a perder (a cada dia ganho é um dia perdido, portanto perder e ganhar são inevitáveis e contingenciais), além de saber lidar, resistir e superar.

    Feliz não é aquele que aprendeu a esperar a tempestade passar. Sim, tudo passa, de bom ou ruim, inclusive todos passaremos: somos passageiros com destino traçado para a eternidade. Feliz é aquele que aprendeu a dançar até debaixo do temporal.

    O Nandinho Pessoa chama-nos, lucidamente, de cadáveres adiados kkkk.

    Se cada ponto de vista é a vista de um ponto, ou nas palavras argutas da minha blogueira "number one": " A verdade tem sempre muitos lados, a realidade tem muitos ângulos",precisamos descobrir qual o ângulo e qual realidade, pode trazer mais conforto espiritual, para nossa frágil singularidade.

    Com afeto e açúcar diet
    Danilo

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    1. Adorrrrrei a neuróbica, Danilo! (Quando vai ser o balacobaco? Favor falar com o sr. presidente!).

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  3. Querido Lúcio,
    Muito bom... Parabéns mais uma vez à Fernanda Dannemann, e também a você e ao Danilo nos comentários inteligentes acompanhados de uma sensibilidade admirável...
    Saudações da turma da platéia...rs..rs..rs..
    e do amigo
    Eduardo Walsh

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  4. ÓTIMO O texto da Fernanda e , também, o do Marcos e do Danilo.
    Parabéns! Muito bons!
    Beijos
    Theo

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