terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A armadilha do "amor incondicional"

É muito fácil dizer que filho a gente ama incondicionalmente. Não tive filhos, desconheço o amor materno, mas de amor verdadeiro entendo bem, e de observação... idem.

O filme “Pais e filhos” trata do assunto pondo em xeque-mate duas forças muito grandes: este amor aí, dito incondicional, e o famoso “laço de sangue”, aquele que nos aproxima de pessoas que, lá no fundo da argila que nos constitui, não têm mesmo nada a ver com a gente, mas fazer o quê? "Amor de sangue, sabe como é... não quebra nunca e aceita tudo..." será mesmo? Tenho cá as minhas dúvidas.
Filho, dizem, é uma coisa doida, uma coisa imensa que toma todos os cantinhos da nossa alma, e ai que horror que deve ser a vida sem ele! Filho é alegria, é maravilha, é sonho e realização de tudo o que a gente sonhou pra gente mesmo, mas não deu conta de realizar...

E é aí que o tal do amor incondicional esbarra na vaidade, a vaidade nojenta e pegajosa que sempre se disfarça de sentimentos nobres como respeito, fervor, compreensão e amizade... e que infelizmente nem sempre os pais têm dentro de si para doar aos filhos, principalmente se estes filhos não corresponderem à imagem idealizada que pai e mãe gestaram na placenta junto mesmo com o feto, e que foi parida como ele como uma irmã-gêmea, e que cresceu ali, lado a lado, um membro a mais na família, uma tortura para aquele que está sempre como perdedor, e que por mais que nade depressa, jamais chegará em primeiro lugar.

Facílimo amar alguém que corresponde às nossas expectativas, seja este alguém um filho, um pai, um irmão, um amigo, um parceiro amoroso, um escritor, um presidente da república e até um deus.
Difícil é amar acima das diferenças. Aceitar a frustração que o outro, ao ser quem é, nos provoca. Amar sem ódio, sem desejos canibalescos de destruição. Amar acima das mágoas propositais ou não; perdoar o outro por ele ser fraco aos nossos olhos, ou por não atender às súplicas da nossa vaidade e não conseguir ser uma cópia fiel do que nós somos ou gostaríamos (tanto!) de ser.

Este é o amor incondicional, que pode certamente ser provado e vivido em nossas relações profundas, independente do laço de sangue, que não raro nos prega peças tremendas e sem solução. E por que somente os filhos teriam a primazia de merecê-lo? Será que somos tão egoístas a ponto de amar verdadeiramente somente aquele que saiu de nós, e que por isto mesmo é parte de nós sobre a Terra? Mas este é um amor de si para si...
O filme “Pais e filhos” tem ainda o mérito de mostrar que não somos, necessariamente, “como nossos pais”, como cantou o poeta Belchior: mudar de rumo pode ser  uma questão de opção. Exatamente como amar sem esperar nada em troca... amar o outro justamente pelo que ele é; taí a melhor parte do amor, aquela que nos liberta em vez de nos fazer cativos da vaidade e da tirania.



Para ver o trailer, clique o mouse na bolinha (indicador de tempo) caso a tela fique verde

6 comentários:

  1. Realmente o seu texto é excelente e lembrou-me de outro que reproduzo ao final. O filme merece os prêmios e críticas elogiosas (faço questão absoluta de ver filmes premiados em Cannes...já quanto ao Oscar, depende ). O que começa como uma questão "banal", que é a dualidade entre os pais de sangue e os pais de criação (biologia X afeto), termina como uma belíssima exposição do amor incondicional de uma criança por seus pais. Que, infelizmente, nem sempre é retribuído. Indicadíssimo para quem tem, teve, terá ou não filhos, posto que demasiado humano, inteligente, sutil e cativante...não só pelas crianças que , na verdade ,são excepcionais atores.

    Pais & Filhos é mais um filme que mostra que a vida é curta e única, e que precisamos aproveita-la ao máximo, para que não tenhamos de aprender com os tombos, a dar valor ao que é realmente importante. Impossível não nos colocarmos no lugar dos personagens e pensar em nossos valores e escolhas atuais cujas consequências são favas contadas.

    Maneira de amar
    O jardineiro conversava com as flores e elas se habituaram ao diálogo. Passava manhãs contando coisas a uma cravina ou escutando o que lhe confiava um gerânio. O girassol não ia muito com sua cara, ou porque não fosse homem bonito, ou porque os girassóis são orgulhosos de natureza.Em vão o jardineiro tentava captar-lhe as graças, pois o girassol chegava a voltar-se contra a luz para não ver o rosto que lhe sorria. Era uma situação bastante embaraçosa, que as outras flores não comentavam. Nunca, entretanto, o jardineiro deixou de regar o pé de girassol e de renovar-lhe a terra, na devida ocasião.O dono do jardim achou que seu empregado perdia muito tempo parado diante dos canteiros, aparentemente não fazendo coisa alguma. E mando-o embora,depois de assinar a carteira de trabalho.Depois que o jardineiro saiu, as flores ficaram tristes e censuravam-se porque não tinham induzido o girassol a mudar de atitude. A mais triste de todas era o girassol, que não se conformava com a ausência do homem. "VOCÊ O TRATAVA MAL, AGORA ESTÁ ARREPENDIDO?" "NÃO, RESPONDEU, ESTOU TRISTE PORQUE AGORA NÃO POSSO TRATÁ-LO MAL. É A MINHA MANEIRA DE AMAR, ELE SABIA DISSO, E GOSTAVA".
    Carlos Drummond de Andrade

    Santé e axé!
    Marcos Lúcio





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    1. Percebi dois erros de digitação:aproveitá-la e mandou-o."Pardon".
      M.L.

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  2. Fernanda,

    Ainda nao assisti o filme, e o assunto no meu entender: "e pano pra manga" da o que falar....
    Estimadissimo Marcos Lucio, Presidente do C.P.F.A.S.S. ...Bravo !!!!!! O que o Carlos Drummond de Andrade escreveu sobre a "Maneira de amar" ..... UAU ..... demais..... ADOREI ....

    Felicidades e abracos pro dois,

    Gilda Bose

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  3. É um prazer ser lido e (bem) comentado pela prezadíssima diretora do C.P.F.A.S.S.
    Obrigado pela gentileza. Como você gostou muito do texto drumondiano...certamente vai adorar este filme relevante e imperdível.
    Forte abraço
    O modesto presidente

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  4. O que vale mais? A forma ou o contédo?

    Semaplidu

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  5. Entendo bem desse negócio! É só olhar pras crias e ficar babando.

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