quarta-feira, 22 de abril de 2015

Aproveita enquanto dura!

"Eu não sou uma princesa", diz Cinderela, ao sair da abóbora transformada em carruagem de ouro, usando um belíssimo vestido azul. E o lagarto, transformado em cocheiro pela fada madrinha da moça dá de ombros, ao constatar que sua realidade também é bem outra:

-- Aproveita enquanto dura!

Como todos sabemos, ela segue o conselho e aproveita o baile e dança com o príncipe até a última das famosas doze badaladas da meia-noite, quando quebra-se o encanto e tudo volta a ser como era antes.

Pois é, leitor, o novo filme da Cinderela tem o mérito de ser fiel à história da nossa infância, e as novas gerações estão conhecendo Gata Borralheira como ela de fato é, sem nenhuma novidade dos roteiristas moderninhos. Gostei. Mas gostei mais ainda foi do conselho do sr. Lagarto, porque é assim mesmo que a gente deveria passar pelos bons momentos, não é mesmo? Aproveitando ao máximo, coisa que nem sempre fazemos...

E quando se fala em bons momentos... aí é que pode estar o equívoco todo, porque eles não são, necessariamente, o sábado ou o domingo; mas o tempo que há entre a segunda e a sexta-feira, e que a gente nem vê passar porque vive mecanicamente entre a correria e a tensão dos compromissos.

Leio na reportagem de jornal que a executiva encontrou 45 minutos sagrados para dedicar à filha, todas as manhãs. E que este é o tempo mais precioso que ela tem em seu dia. Ainda bem que não sou executiva, porque 45 minutos é muito pouco tempo para me fazer feliz, considerando que o dia tem 24 horas.

Leio também sobre a enfermeira que trabalhou anos com doentes terminais, e que percebeu em quase todos eles os mesmos arrependimentos, como por exemplo, não ter trabalhado menos; não ter feito mais amigos e passado mais tempo com eles e com as pessoas queridas; não ter viajado mais, não ter aproveitado mais a vida.

Sabedores de que felicidade é um conceito relativo, e alegria é um estado interno, os bons momentos estão mesmo é espalhados pelo cotidiano... ao menos para boa parte de nós. O incrível é que justamente os mais desprovidos, como a mocinha Cinderela, é que têm olhos para enxergar a beleza das pequenas coisas e se maravilhar com elas. Porque os que têm tudo acabam com o olhar cristalizado e só enxergam o que é excepcional. São menos felizes, portanto.

A festa do dia a dia é estar vivo, e isso por si só já deveria bastar; não importa se você usa ou não uma coroa de ouro e brilhantes sobre a cabeça. E neste ponto da conversa, faço minhas as palavras do sr. Lagarto:

"Aproveita enquanto dura!".


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Aproveite o tempo que te resta

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Não olhe para trás

Al Pacino é sempre irresistível com aqueles olhões caídos e aquele charme de italiano feiosão. Quem é que resiste?

Mas o filme "Não olhe para trás", embora prometa, com seu roteiro baseado em fatos reais... só me conquistou mesmo na cena final... que eu não vou contar porque não sou estraga-prazeres.

Músico que parou no tempo e enriquece com meia-dúzia de baladas recebe, 40 anos depois, carta de John Lennon, seu ídolo, elogiando seu talento.

E dai se instaura a crise: o cara quer correr atrás do tempo e do talento perdidos. Quer escrever as músicas que não escreveu, tocar o que não tocou, ser o que não foi... quer mudar tudo, porque o afago de John Lennon lhe mostra o que ele já sabia: passou os últimos 40 anos desperdiçando sua vida e seu talento.

Obviamente que se o filme fosse sério, teria se desenrolado de outra maneira, não importa o que aconteceu com o tal que serviu de base e inspiração para o roteiro. Mas como foi rodado em Hollywood, virou filminho e perdeu a chance de contar uma boa história.

Nosso herói tenta, mas desiste quando tem a chance de ousar mudar o seu destino. Fez a sua escolha, preferindo permanecer em território conhecido e manter os fãs, em vez de arriscar-se a perdê-los. Com isso, perdeu também a oportunidade de renovar-se, e a partir daí, renovar tudo ao seu redor... inclusive (quem sabe) os fãs. Ter outros, ou nenhum. Nosso herói, portanto, coloca-se mais uma vez como perdedor diante da existência, como um dadinho sem força ou sem vontade própria, que cai aqui ou ali... dependendo de onde as forças externas o queiram conduzir.

Seria ingênuo pensar que somos inteiramente donos do nosso destino; mas daí a desistir sem lutar... são outros quinhentos! A mudança exige desapego, meu bem. Exige que a gente deixe para trás muitas conquistas, troféus, tesouros dos mais variados tipos... é preciso desapegar, porque no "novo mundo" que a nossa "nova pessoa" quer habitar não há lugar para velharias como estas, que o nosso orgulho e a nossa insegurança tratam de juntar vida afora.

Mudar a vida é para poucos. "Não olhar para trás" é para pouquíssimos, porque significa mirar adiante e ter a consciência de que, enquanto vivos, somos sim os donos da nossa vontade, capazes de transformação e conquista. Sem olhar para trás e sem chorar pelos erros cometidos, pois o passado não volta e não se transmuta; o passado é somente um trampolim de onde saltamos para os dias que virão.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Eternamente jovem

O tempo é engraçado. Ele passa pra nós, mas nós só o sentimos passar no rosto dos outros. No espelho, somos, no dia a dia dos anos, os mesmos. Dos oito aos 80 anos, somos os mesmos, não percebemos o tempo.

Mas então, aos 47 anos, a gente se mete a dar uma faxina na casa e quase cai morta antes de terminar de lavar o banheiro. E pensa que, aos 24, limpava o apartamento inteiro sem sentir cansaço nenhum: depois de tudo ainda encarava uma noite de dança e amor atééééé... o sol raiar! Se mete a fazer faculdade e quase cai morta também quando acaba a semana de provas... e é assim todo santo semestre, ai que cansaço, essas provas me matam, cruzes!

Pois é. Já contei pra vocês que minha amiga octagenária costumava dizer:

-- Fernanda, envelhecer é uma merda.

E eu ia dizer o quê? Só escutava.

Ainda não cheguei aos 80, mas já começo a entender. Envelhecer é o seguinte: a gente quer continuar levando a vida como sempre,  no bem-bom da juventude... naquela correria de mil coisas, mil planos, um milhão de motivos pra continuar vivo... mas um dia a gente descobre que a vida é finita e que não dá pra fazer tudo. E por dois motivos simples: o primeiro é que o tempo é curto, e o segundo é que o corpo não aguenta.

É, fio... o corpo impõe limites. Quisera eu aguentar namorar a noite inteira! Não aguento. Se não aguento namorar, que dirá estudar?!  Menos ainda!

A força dos 20 anos acaba logo ali depois dos 30, embora a gente, passados os 40, finja que tudo continua bem no Reino da Dinamarca... mas a verdade é que o peso dos anos já cobra sua fatura desde longe, e insistir na ideia de que o corpo é uma máquina que a tudo suporta, pode ser fatal. O corpo não é uma máquina, muito menos a cabeça.

Olha, quer saber? Envelhecer pode ser péssimo, mas pode também ser muito bom e gratificante; tudo depende de como passamos pelo processo.

Cada dia precisa ter o seu valor; a existência deve ter um propósito; a vida não pode ser um desperdício.

A alegria de viver não está contida apenas no "bem-bom da juventude", mas também na sabedoria que a gente vai adquirindo com o tempo... a sabedoria para evitar as roubadas  que aparecem pelo caminho, para "viajar" em estado de plena caretice; e para entender que sim, o tempo passa, e por isso mesmo a gente tem que curtir a vida adoidado, antes que tudo se acabe, tão rapidamente como começou... porque a vida é breve, meu bem. Tão breve quanto pode ser a alegria da juventude.


Eternamente jovens!

domingo, 5 de abril de 2015

Vão-se os dedos, ficam os anéis

Não tem jeito, não tem: ou a gente se desapega, ou o mundo se encarrega de acabar com a gente, mesmo que a miopia não nos permita enxergar que, uma vez apegados, nos tornamos algo muito próximo das nossas propriedades e estamos longe de sermos realmente pessoas, e muito menos livres.

Passamos a vida construindo prisões para nós mesmos, sem perceber. Cada decisão equivocada, um tijolo. Cada atitude de aprisionar o outro, um tijolo. Cada gesto de posse em relação a qualquer coisa, um tijolo...

A vida é movimento, é constante ir, esvaziar, fluir, passar. A finitude está em tudo para nos provar isso todos os dias; nós é que nos recusamos a entender esta mensagem essencial.

Não sei como era no passado, não sei portanto se a situação está pior, o que posso dizer é que nestes tempos que vivemos, a necessidade de posse está se transformando em pandemia. Será um resultado natural do capitalismo? Do individualismo que é marca de como as relações de estabelecem, mesmo nas "melhores famílias"? Será também consequência da (falta de) educação das novas gerações, criadas pela TV, pelas babás despreparadas e pela escola que não dá conta de tudo, já que pais e mães trabalham excessivamente e não têm tempo para conversar e ensinar os filhos?

São muitas as razões capazes de justificar a necessidade de posse, inclusive mesmo o traço pessoal, que vem no sangue.

Tem havido uma distorção tão grande no inconsciente coletivo, que o essencial está trocando de roupa... e vestindo uma fantasia perigosa, transformando os afetos em doença.

As doenças afetivas estão nos relacionamentos nutridos à base de ressentimento, costume, dependência emocional, amargor e até mesmo ódio... mas dos quais as pessoas não se livram, não se desfazem, e apenas por razões atreladas à raiz de um sentimento de posse: culpa, medo, preguiça, egoísmo.

Pessoas vêm e vão nas nossas vidas e delas também, e isso faz parte do ciclo natural da existência. Seja por morrerem ou por continuarem vivendo, um dia elas se vão, ou nós mesmos é que nos vamos, porque ninguém nasceu colado a ninguém, ninguém é dono de ninguém, tudo na vida é uma passagem.

Dói encarar esta verdade? É, eu sei que pode doer sim... mas a liberdade é isso: existe escolha na liberdade, e isso não é indolor.

Mas então, deixa ir! Deixa partir, deixa ir embora, deixa acabar, chegar ao fim.  Quem tiver que ficar, ou que voltar, o fará, e não por sentença sua, mas por escolha da própria pessoa, o que lhe dará a alegria de ser escolhido.

Deixa morrer, deixa seguir, deixa esgotar... sem aferrar-se a mais nada, nem mesmo às lembranças, porque isso é uma forma de morrer também. E sem eleger símbolos da sua saudade... uma xícara, um colar, um vaso... tudo isso passível de se quebrar, de ser roubado, queimado em um incêndio na casa... foram-se os dedos, meu bem, ficaram apenas os anéis...e que importância hão de ter, além do mito de, um dia, terem pertencido a tal pessoa?

Permita-se ir, meu bem! Permita-se partir! Porque ficar, às vezes, é deixar de ser um dedo para transformar-se em um anel.





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